sábado, 24 de outubro de 2009

A mídia em terras capixabas: um retrato da comunicação no Espírito Santo (Parte I)

O Mídia Aberta, por mais de um ano, tratou de falar da realidade dos meios de comunicação em todo o Brasil: o coronelismo eletrônico marcante das regiões Norte e Nordeste, a concentração das grandes redes nacionais geradoras de conteúdo de rádio e TV no eixo Rio-São Paulo, traçou um mapa da mídia nas mãos de católicos e evangélicos, entre outros temas relacionados.

Agora, com a ajuda do portal
Donos da Mídia e outras fontes, chegou o momento de averiguar o que se passa num estado cercado por grandes centros urbanos e protagonistas na produção de conteúdo escrito, sonoro e audiovisual para todo o país. Refiro-me ao Espírito Santo, lugar este desprovido de um espaço cativo na grande mídia nacional, mas que merece ser alvo de um olhar crítico sobre os meios de comunicação que abriga.

Famílias, grupos empresariais e propriedade cruzada
.
A concentração da propriedade observada na grande mídia brasileira não é um aspecto exclusivo dos centros urbanos de abrangência nacional, como o eixo Rio - São Paulo. No Espírito Santo, formas bastante tradicionais de controle de diferentes meios de comunicação (como rádio, TV, jornais, revistas e internet) por um mesmo grupo simultaneamente – característica esta da propriedade cruzada - também são comuns.

Em terras capixabas, são poucos os grupos de mídia que dominam os diferentes veículos de comunicação de massa, e todos têm como seu carro-chefe um canal de televisão. São eles os porta-vozes e representantes locais dos interesses dos maiores conglomerados midiáticos do país (Globo, SBT, Record, Bandeirantes e Rede TV!).

Em evidência estão algumas famílias que comandam os veículos de comunicação de maior incidência no Espírito Santo, a exemplo dos Buaiz (Rede Vitória de Comunicação) e dos Lindenberg (Rede Gazeta de Comunicações), como também os grupos empresariais, que atuam em diferentes setores da economia – como o Grupo Buaiz (Rede Vitória de Comunicação, Shopping Vitória, Buaiz Alimentos, entre outros negócios), e o Grupo Industrial João Santos (cimento Nassau, Nassau Editora, Rádio e TV Ltda, Rede Tribuna de Comunicações, entre outros segmentos).

Mapa da mídia capixaba



Segundo mostra o portal Donos da Mídia, ao todo, são 142 veículos no Espírito Santo, que possui 13 geradoras de TV, a maioria localizada na capital, Vitória. O estado ainda recebe por meio de 223 retransmissoras a programação de 17 redes de TV.

Abriga um número considerável de rádios comunitárias (28 emissoras), superando o número de rádios OM (AM – 20 emissoras) e tendo perto da metade do número total de rádios FM (47 emissoras).

Quanto à imprensa escrita, os capixabas contam com 12 jornais - a maioria desses de circulação limitada aos municípios – e quatro revistas. Os veículos impressos de influência estadual (são três jornais apenas) estão concentrados em Vitória.

Dois grupos de comunicação se destacam no estado. Primeiro a Rede Gazeta, afiliada à Rede Globo, tem 9 veículos (um a mais que o citado pelo Donos da Mídia), sendo 4 veículos de TV espalhados em quatro regiões diferentes do estado (confira tabela abaixo). Na internet, detém o Gazeta On Line. É o grupo de mídia mais poderoso do Espírito Santo e, com a ajuda de sua nave-mãe (a Rede Globo), domina a audiência no rádio e na TV.




À exceção no quesito jornal, veículo em que a Rede Gazeta perdeu a hegemonia para o jornal A Tribuna, propriedade da rede do mesmo nome. Afiliado ao SBT, a Rede Tribuna ocupa o segundo lugar no estado. Possui 5 veículos, também nos mais diversos segmentos (jornal, TV, rádio AM e FM e internet).



Outros três grupos de comunicação privados merecem destaque, embora não demonstrem a mesma influência e abrangência dos anteriores. São eles a Rede Vitória de Comunicação (afiliada à Rede Record), que possui três veículos (uma rádio AM e outra FM, e a TV Vitória), a TV Capixaba (afiliada à Rede Bandeirantes ou Band) e a Rede TV! ES (afiliada à Rede TV!).

A surpresa na pesquisa fica por conta do Sistema de Comunicação Adventista, grupo de mídia ligado à Igreja Adventista. Eles detêm três veículos, todos emissoras de rádio, sendo uma AM e duas FM.

Veículos de controle público

Os meios de comunicação de caráter público não possuem – nem de longe – a mesma força dos demais. O Governo do Estado, por exemplo, detém a RTV-ES, uma rede que inclui uma emissora de rádio (a Rádio Espírito Santo AM) e um canal de televisão (a TVE). Já a Empresa Brasil de Comunicação (EBC, antiga Radiobras), pertencente ao Governo Federal, aparece com uma estação de rádio AM no interior capixaba.

Na próxima edição do Mídia Aberta, vamos conhecer mais características que marcam a paisagem das comunicações no Espírito Santo.

Até a próxima!

domingo, 18 de outubro de 2009

Argentina: “Lei dos Meios” é promessa de nova era democrática para a comunicação no país

Parabéns, Argentina! Não, não é a classificação do país para a Copa do Mundo de 2010 o motivo das congratulações, mas sim a aprovação da lei que promete revolucionar seu sistema de comunicação e proporcionar um cenário mais democrático e plural aos argentinos. Refiro-me à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, ou simplesmente “Leis dos Meios”.

Tachada de polêmica e autoritária por dez em cada dez veículos da grande imprensa privada daqui e de lá, a proposta do novo marco regulatório para o setor audiovisual argentino foi gerada no Executivo - incluindo propostas de entidades do campo da democratização da mídia - entregue à Câmara, onde foi debatida e aprovada, e mais tarde confirmada pelo Senado em processo semelhante à Casa anterior. Um trâmite mais do que normal em qualquer democracia representativa.

Mas o que a faz nascer rodeada de tanta polêmica e receio por parte daqueles que dominam de forma tranquila há décadas os meios de comunicação e de expressão? A Lei dos Meios surge para frear o poder cada vez mais crescente dos conglomerados de mídia na Argentina e marca o fim de uma lei que é resquício da ditadura militar.

Assim como no Brasil, nosso país vizinho sofre de um mal crônico, chamado concentração dos meios de comunicação. O marco regulatório recém aprovado traz itens bastante inovadores e ousados para o contexto latino-americano. Veja por que a nova legislação é vista como “autoritária”!

Divisão equilibrada e mais vozes para o rádio e a TV

No campo das concessões de radiodifusão (rádio e TV), cai de 24 para 10 o número de outorgas por empresa ou grupo, e o tempo de exploração de uma concessão diminui de 15 para 10 anos. O espectro de radiofrequência, onde se localiza o canal utilizado por uma emissora de rádio ou televisão, foi dividido em três partes iguais, sendo que um terço ficou reservado para a sociedade civil não-empresarial e sem fins lucrativos (igrejas, sindicatos, universidades, ongs, entidades comunitárias, entre outros), e o restante para o setor público-estatal e grupos privados com fins comerciais.

A lei também bate de frente com a propriedade cruzada, como a praticada pelo maior grupo de mídia argentino, o Clarín, principal algoz do governo de Cristina Kirchner. É uma espécie de Rede Globo argentina. O grupo controla as maiores emissoras de TV aberta e fechada do país, além de estações de rádio, os jornais mais influentes e grandes portais de Internet.

TV aberta e fechada sob o mesmo dono fica proibido

Sobre essa prática de concentração, a nova lei proíbe que uma empresa detenha, numa mesma localidade, emissoras de TV aberta e fechada. E as empresas de telefonia ficam impedidas de explorar os serviços de TV paga, cenário que vai na contramão, em termos legais, do que se propõe aqui no Brasil (vide projeto de lei 29/07, que tramita na Câmara dos Deputados e visa abrir de vez o setor de TV paga às empresas de telefonia).

É importante destacar que a nova regulamentação abarca num mesmo marco regulatório as diferentes plataformas de comunicação audiovisual, como a radiodifusão e as telecomunicações, mas que produzem e distribuem o mesmo tipo de conteúdo. A lei argentina é inspirada em legislações de importantes países da Europa, além dos Estados Unidos, ou seja, das mais importantes democracias do mundo, descartando a tão denunciada feição autoritária.

Espaço para o controle público e a participação social

A criação de órgãos para promover a regulamentação, além de fiscalizar e monitorar o funcionamento dos meios de comunicação também aparece na nova “Lei dos Meios”. A Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual, por exemplo, terá a função de aplicar a lei.

Outra instância, desta vez para servir de instrumento de controle social sobre a mídia, é a Defensoria do Público, que receberá reclamações do público, promoverá debates e ainda será o braço judicial da sociedade para possíveis embates na Justiça (aquilo que deveria ser talvez, no Brasil, o Conselho de Comunicação Social, órgão consultivo do Congresso Nacional desativado desde 2006).

Publicidade infantil, classificação indicativa da programação da TV, conteúdo nacional, entre outros pontos, também figuram na nova legislação argentina. Confira (com informações do Observatório do Direito à Comunicação, Intervozes e FNDC):

- Cria políticas para garantir que bibliotecas, museus e arquivos possam oferecer o conteúdo disponível nos diferentes serviços de distribuição.
.
- Na TV, das 22h até a meia-noite, a programação fica direcionada para maiores de 13 anos. Desse horário até as 6h, programas voltados para maiores de 18 anos.
.
- Competições esportivas serão transmitidas em canal aberto, o que não ocorre até hoje porque os direitos de transmissão são exclusivos de operadoras de TV a cabo.
.
- A publicidade infantil não deve incitar a compra de produtos, e o limite para toda a publicidade em uma programação não deve ultrapassar os 20% do tempo diário de um canal.
.
- A lei reserva uma freqüência na TV aberta para a Universidade Nacional.

- A lei regulamenta a digitalização e, por consequência, a multiprogramação dos canais de TV.

- No rádio, 30% do que for veiculado deve ser de origem argentina. Na TV, a produção nacional deve alcançar 60% de toda a programação. Isso quando as emissoras estiverem em cidades com mais de 600 mil habitantes.

Após ler parágrafo por parágrafo, dá para interpretarmos a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual como autoritária e com propósitos de censura governamental?

Quem diz isso são aqueles que detêm, há décadas, o monopólio de disseminar suas ideias conservadoras e neoliberais através do rádio e da televisão para milhões de pessoas, as quais nunca tiveram, de fato, a oportunidade de ver seu direito à comunicação respeitado. Isto é, o direito de falar e não apenas ouvir, de propor e não apenas obedecer, de produzir seu próprio conteúdo e não apenas consumir enlatados de terceiros.

Sobre uma lei que visa combater o poder midiático de grandes empresas de comunicação, como o Clarín, as quais se acostumaram a decidir os rumos políticos, culturais e econômicos de todo um povo, é mais do que natural que chovam críticas as mais destrutivas, em especial aquelas que partem dos que serão atingidos por ela.

E agora, Brasil? A Argentina fez a parte dela. Cabe a nós seguirmos passos semelhantes, ou continuarmos a viver sob um modelo arcaico e antidemocrático anterior à ditadura militar.

Até a próxima!

domingo, 11 de outubro de 2009

Globo X Record: o debate não acabou!


Após séria briga em horário nobre, tevês da família Marinho e do bispo Edir Macedo têm concessões renovadas pelo Governo Federal e Congresso sem qualquer debate público

Mais de um mês se passou desde a última contenda entre as duas maiores redes de televisão aberta do país, Globo e Record. A busca desenfreada pelo primeiro lugar na audiência resultou em uma enxurrada de acusações de ambas as partes, deixando o público perplexo diante da TV por vários dias.

A Globo partiu de um “fato” jornalístico, neste caso as investigações do Ministério Público de São Paulo sobre negócios ilícitos praticados pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), para destilar seu veneno contra a rival Record. Do outro lado, a emissora paulista, que se defendeu atacando a TV da família Marinho, empregando de forma agressiva seu “jornalismo” para revelar ao Brasil “a verdadeira face da Rede Globo de Televisão”, como seu apoio à ditadura militar e a parceria ilegal com a empresa norte-americana Time Life, também na mesma época.

De lá pra cá, a impressão é de que estamos vivendo uma espécie de “Guerra Fria” na TV, em que os ataques de lado-a-lado cessaram (embora não saibamos até quando), mas a corrida às armas em busca da liderança não.

O suposto fim da briga entre os Marinho e a IURD (na pessoa do bispo Edir Macedo) não deve, no entanto, evitar análises mais profundas a respeito desse lamentável episódio. Afinal, não estamos falando de duas empresas privadas que produzem sabonete, chocolate, ou qualquer outra coisa do gênero mercadoria; mas sim de duas empresas que utilizam uma concessão pública, ou seja, um canal de televisão, para difundir informação, cultura, educação e entretenimento para 190 milhões de brasileiros.


Não se pode negar que a lavação de roupa suja entre as duas rendeu boas verdades de ambos os lados do front, porém o que mais assusta é a postura inerte dos responsáveis pelo bom uso e funcionamento das concessões de rádio e TV: o Governo Federal e o Congresso Nacional.

Concessões renovadas sem avaliação do público


O poder concedente não só não fez nada sobre o caso, como também aprovou a renovação das outorgas da Rede Globo e da Rede Record – com validade vencida desde 2007 - como se nada tivesse acontecido. Como se a Constituição brasileira e as leis que regulam (se é que regulam!) as comunicações no país não tivessem sido jogadas no lixo. E tudo isso em público, no horário nobre, para quem quisesse ver.

E onde fica a sociedade em meio a tudo isso? No lugar de sempre, à margem de tudo, sem a menor possibilidade de debate para avaliar se vale a pena ou não conceder mais 15 anos de licença para que Globo e Record continuem veiculando suas programações (ou suas guerras de cunho privado).

Serviço público que sustenta monopólios privados

As duas emissoras valeram-se de suas posições de líderes de audiência nos lares brasileiros e de suas concessões públicas de TV - distribuídas em nome da sociedade pelo Governo Federal, Câmara dos Deputados e pelo Senado – não só para atacar e enfraquecer o adversário, mas principalmente para preservar seus inúmeros negócios privados, representados por seus conglomerados de mídia espalhados pelo país inteiro por meio de suas afiliadas.

Fazem parte desses impérios multimidiáticos, além de centenas de emissoras de TV, estações de rádio, jornais, revistas, editoras de livro, estúdios fonográficos, portais de Internet (a Record acabou de lançar o seu, o R7, no mesmo estilo do seu concorrente direto, o G1), entre outros negócios ligados à comunicação e a outros ramos da economia. Em outras palavras, as concessões de TV emprestadas à Record e à Globo sustentam os vultuosos ganhos privados de seus monopólios de mídia.

Conflito reflete falta de democracia na mídia

Longe de representar liberdade de imprensa ou de expressão, como alguns tendem a pensar, o embate entre Rede Globo e Rede Record apenas revela a barbárie que reina sobre a radiodifusão brasileira, um bem público, de todos. Comparo os mandatários das duas emissoras a um bando de vândalos, que danificam um bem público mesmo estando cientes da importância dele na vida dos cidadãos.

No final das contas, não há dúvida, a maior vítima da guerra protagonizada pelas duas emissoras é a sociedade que, embora não tenha visto uma gota sequer de sangue ser derramada diante da TV, presenciou um ato nefasto de violência simbólica contra si, um ato contra o direito à informação pública, livre e democrática. Ato este que tem tudo para se repetir nos próximos 15 anos (Globo até 2022, e Record até 2013).

E você, o que pensa sobre tudo isso? A Globo e a Record mereceram ter renovadas as concessões de transmissão de TV? Deixe seu comentário, sua participação é muito importante! Aqui você pode falar!

Se não mudamos nós, a mídia não muda!

Saiba mais:

Globo e Record têm concessões renovadas sem debate público

Globo X Record: uma guerra privada com armas públicas

Por um debate público e democrático sobre a renovação das outorgas de radiodifusão

Quem é o dono? Emissoras de rádio e TV são concessões de serviço público, e não bens privados!

Concessões de Rádio e TV: relatório aprovado traz expectativa de transformações no setor da radiodifusão

.
Até a próxima!