domingo, 27 de julho de 2008

Conceitos, atribuições e a importância das instâncias decisórias da comunicação no Brasil

Já mostramos neste blog que os meios de comunicação de massa no Brasil, embora não seja tão claro para a maioria da sociedade e muito menos aceito pelos magnatas da mídia corporativa privada, são regidos por uma vastidão de leis e decretos que, em alguns casos, remetem aos anos da ditadura ou até antes desse período.

Agora, é indispensável saber que a comunicação social é (ou deveria ser) tutelada por pelo menos quatro instâncias públicas importantes. São elas o Ministério das Comunicações, a Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel), a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), da Câmara dos Deputados e a Comissão de Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT), do Senado. As duas primeiras estão ligadas ao Poder Executivo Federal, e as outras duas se constituem em espaços decisórios instalados na Poder Legislativo Federal.

Cada instância cumpre com suas atribuições que estão relacionadas principalmente ao setor de radiodifusão, que compreende os serviços de rádio e televisão, e às telecomunicações, que abrange a área de telefonia fixa e celular e também da TV paga (por assinatura).

Anatel surge com a privatização da telefonia

“A missão da
Anatel é promover o desenvolvimento das telecomunicações do País de modo a dotá-lo de uma moderna e eficiente infra-estrutura de telecomunicações, capaz de oferecer à sociedade serviços adequados, diversificados e a preços justos, em todo o território nacional”. Essa é a definição atribuída à Agência Nacional de Telecomunicações, a Anatel, em sua página oficial na internet.

A Anatel foi criada com a vigência da lei Nº 9.472 - a Lei Geral das Telecomunicações (LGT) (leia sobre essa lei na seção Consulte as Leis, do blog), num contexto em que todo o setor de telefonia, antes tutelado pelo Estado brasileiro, foi privatizado. A autarquia é ligada ao Ministério das Comunicações, porém tem independência e autonomia financeira e deliberatória. Suas principais funções são as de regular, outorgar, administrar e fiscalizar o setor de telecomunicações quanto ao espectro de radiofreqüência, expedir normas para os serviços de telecomunicações em regime público (telefonia fixa e celular) e privado (internet banda larga), além de implementar políticas públicas para as telecomunicações.

A definição da Anatel exposta acima é amplamente passível de ressalvas e críticas, principalmente no que tange à prestação de serviços. É público e notório que, após 10 anos de privatização da área de telefonia brasileiro, o setor oferece um serviço de péssima qualidade aos usuários. Tanto a telefonia fixa quanto a móvel em especial são campeãs da lista de reclamações nos órgãos de defesa do consumidor em todo o país. Exigências como a universalização dos serviços prestados em regime público, ou seja, o acesso a uma linha de telefone e a implantação de postos públicos de atendimento (orelhões), não foram cumpridas pelas concessionárias que oferecem os serviços.
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Embora mais de 133 milhões de brasileiros tenham em mãos um celular – algo quase impossível anos atrás – mantê-lo amplamente em funcionamento, ou seja, recebendo e, principalmente, enviando chamadas, não é tarefa das mais fáceis. Pior do que isso, é saber que quase dois mil municípios não possuem acesso a esse serviço. Constatação que enterra o argumento falacioso e sem fundamento o qual insiste em dizer que “hoje, todo mundo tem um celular”.

Outro fato que merece uma reflexão quanto às obrigações da Anatel reside nas políticas de telecomunicações. Gradualmente, o setor de telefonia e, com ele, o de banda larga, segue um perigoso caminho da concentração dos serviços de telefonia móvel e celular em poucas empresas concessionárias. O exemplo mais atual é a incorporação da Brasil Telecom (BrT) pela Oi, fato que motivou importantes alterações nos mecanismos de regulação do setor de telecomunicações, como o Plano Geral e Outorgas (PGO) e também no Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações (PGR).

Do jeito como está, o PGO não permite esse tipo de operação no âmbito da telefonia, pois pode acarretar a concentração do setor, com a formação de oligopólio, além do que prejudicaria a concorrência e colocaria em risco a qualidade na oferta de serviços para os usuários. A propósito, a questão está em discussão no âmbito da Anatel. Mas não é tarefa da agência reguladora atuar guiada pelo interesse público e preservar a concorrência no mercado de telecomunicações, hoje dominado por grandes grupos privados como Oi, Claro, Tim, Brasil Telecom e Telefônica e ameaçado de encolher ainda mais?

A Anatel precisa rever seu papel de agente regulador de um bem público, que é a comunicação, e não se deixar levar pelas pressões e as supostas tendências do mercado.

Ministério das Comunicações ou dos Radiodifusores?

“O
Ministério das Comunicações é o órgão do poder Executivo Federal encarregado da elaboração e do cumprimento das políticas públicas do setor de comunicações. Tem como missão, proporcionar à sociedade brasileira acesso democrático e universal aos serviços de telecomunicações, radiodifusão e postais, privilegiando a redução das desigualdades sociais e regionais, o desenvolvimento industrial-tecnológico competitivo, a expansão do mercado de consumo de massa e a gestão sustentada do meio ambiente”.

Entre as funções do Ministério, estão as de administrar as concessões de rádio e de TV aberta (radiodifusão), desde a licitação até o seu funcionamento; fiscalizar a exploração dos serviços de radiodifusão quanto ao conteúdo de programação das emissoras, bem como a composição societária e administrativa das empresas concessionárias. Fora do campo da radiodifusão, o Ministério atua ainda na área de telecomunicações, da Internet e dos serviços postais (Correios).

Não seria exagero afirmar que a definição acima, retirada da página oficial do Ministério das Comunicações na internet, esteja um tanto fora da realidade. Não que seja uma definição errada, mas ela não reflete o momento atual do órgão. Este blog já destacou em outros artigos a concentração da radiodifusão brasileira em cinco grandes redes de televisão privadas (Globo, Record, SBT, Band e Rede TV!), com a consequente oligopolização do setor, e a bagunça que caracteriza as concessões de rádio e TV. As leis, como também já foram mostradas aqui, embora fragmentadas e arcaicas, existem, mas nunca são cumpridas. Nem pelos que exploram um serviço que é público (a radiodifusão), nem por aquele que deveria zelar pelo seu cumprimento (o Ministério das Comunicações).

Tornou-se consenso no âmbito da sociedade organizada representada pelas entidades que militam a favor da democratização da comunicação no Brasil que o Ministério das Comunicações, chefiado pelo senador licenciado Hélio Costa, vem atuando nos últimos anos de forma a favorecer certos grupos que historicamente mandam e desmandam na radiodifusão do país, em especial a Rede Globo de Televisão. Tal constatação ficou ainda mais nítida no decorrer do processo de escolha do padrão de TV Digital para a TV aberta, apenas para citar um exemplo.

Os velhos interesses das famílias mandatárias da mídia televisiva e radiofônica prevaleceram, e o que deveria ser discutido com a sociedade ficou restrito ao círculo empresarial e político. A exceção ficou a cargo dos movimentos sociais e acadêmicos que lutam por mudanças na mídia brasileira. O modelo escolhido para a TV Digital foi o japonês, o preferido do setor empresarial e, por triste coincidência, também do Ministério das Comunicações.

Já no campo da banda larga, alguns comemoram os números que colocam o Brasil com 40 milhões de internautas. Muito pouco para um país com quase 190 milhões de habitantes. Não há uma política pública eficaz que aglutine as dezenas de programas criados pelo Governo Federal para levar a internet de alta velocidade para a maioria dos brasileiros. E não são poucos os projetos em andamento: Banda Larga nas Escolas, Gesac, Telecentros Comunitários, entre outros.

Não se observa, apesar de tudo, uma política de Estado perene, de longo prazo, que absorva todos esses programas de acesso à internet de alta velocidade. Também não existe uma política pública no sentido de levar um acesso barato e eficiente à residência de cada de brasileiro, hoje a mercê do serviço caro e de acesso restrito praticado pelas empresas de TV paga e de telefonia.

As funções do Legislativo Federal

No Câmara dos Deputados, a responsável por cuidar das questões ligadas à comunicação social é a
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI). Ela é composta por 40 parlamentares titulares e 40 suplentes, que tem como atribuição legislar sobre os meios de comunicação social e a liberdade de imprensa, a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão, outorga e renovação da exploração de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (rádio e TV), entre outras funções.

No âmbito do Senado, é a
Comissão de Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) a instância que delibera os assuntos ligados às comunicações e assuntos equivalentes. Ela é composta por 17 senadores titulares, com o mesmo número de suplentes.

A Constituição Federal de 1988 determinou como uma das atribuições do Congresso Nacional a apreciação dos atos de outorga e renovação de concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, antes uma exclusividade do Poder Executivo. Além da expansão da radiodifusão, especialmente com a instituição da radiodifusão comunitária, temas como a privatização das telecomunicações, a utilização de software livre, a inclusão digital e a criação das Agências Reguladoras fazem parte dos principais debates e deliberações dessas comissões.

E o que era para ser uma mudança positiva na discussão de políticas públicas democráticas para as comunicações, virou motivo de preocupação e desobediência à Constituição e às leis que regem o setor. Como foi abordado em outro artigo neste blog, inúmeros parlamentares, tanto na Câmara como no Senado, controlam emissoras de rádio e televisão, prática terminantemente proibida pela legislação e pelo regimento interno das respectivas casas. Os parlamentares aprovam as concessões em benefício próprio, numa grande demonstração de desrespeito com os setores da sociedade que levam anos para conseguir uma licença a fim de explorar um meio de comunicação.

Ao final das contas, aqueles que deveriam zelar pelo interesse público e agir com transparência e imparcialidade, se deixam levar por interesses próprios ou de terceiros, geralmente o setor privado. E isso vale para todas as instâncias que cuidam das comunicações: Anatel, Ministério das Comunicações, Câmara dos Deputados e Senado.

Até a próxima!

sábado, 12 de julho de 2008

Maior fatia dos recursos federais gastos em mídia segue para TV e grandes grupos de comunicação

Aos que militam pela democratização da comunicação no Brasil, há pelo menos um ponto de consenso para que tal meta seja alcançada um dia. É necessária uma distribuição mais eqüitativa e menos concentrada das verbas públicas federais. O Governo Federal, as empresas estatais e demais instituições e autarquias públicas ligadas à União sempre privilegiaram os veículos da mídia tradicional e privada, especialmente as grandes redes de televisão. Do outro lado, sobrevivendo com verbas mínimas, está a imprensa alternativa, que sofre inclusive com a baixa circulação, especificamente os meios impressos (jornais e revistas).

Mas isso não acontece por falta de investimentos públicos. Ao contrário, pois o que o Governo Federal investe em mídia muitas vezes ultrapassa a casa do bilhão. No ano passado (2007), foram investidos em publicidade do governo um total de R$ 908,1 milhões, uma queda de 16,5%. Em 2006, o montante investido em mídia alcançou R$ 1.114,8 bilhões. Mas para onde vai todo esse dinheiro?

Em meio a todos esses valores, o meio televisão foi, disparado, o principal destino das gordas verbas públicas para a mídia, recebendo um total de R$ 573.577.152,4 milhões. Em seguida, vieram jornal (R$ 101.159.937 milhões), revista (R$ 81.857.670,1 milhões), rádio (R$ 79.257.237,9 milhões), Internet (R$ 20.962.812,4 milhões) e outdoor (R$ 2.998.368,6 milhões).

Ao longo dos últimos anos do governo Lula, o único meio de comunicação que apresentou crescimento contínuo foi a internet. A televisão disparou na frente como principal alvo de investimentos de verbas do Governo Federal, e cresceu de 2003 até 2006. Já em 2007, obteve uma considerável queda nos investimentos, como citado anteriormente. Os meios revista e rádio, no mesmo período do governo Lula, revelaram equilíbrio quanto aos recursos recebidos, se revezando entre o terceiro e o quarto lugar.

Os jornais mantiveram a segunda posição entre os preferidos da publicidade estatal, à exceção de 2006, quando apresentou forte queda nos valores recebidos. A propósito, o meio jornal durante a gestão Lula só mostrou fôlego em 2004 e 2005, mesmo com uma ligeira queda, com R$ 128.159.093,8 milhões e R$ 127.676.576,3 milhões respectivamente.

Em relação aos totais de verbas públicas federais aplicadas em mídia no decorrer do governo petista, de 2003 até 2006 os resultados apresentaram uma linha ascendente, e só em 2007 detectou-se queda nos valores.

Dinheiro público para sustentar monopólios

Aliado à má distribuição de verbas públicas para anúncios publicitários nos meios de comunicação, o Governo Federal revela indiferença frente a um fato preocupante. Grande parte do que é investido em publicidade governamental sustenta os monopólios de mídia. Ou seja, dinheiro pertencente ao povo aplicado no sistema privado, concentrado e antidemocrático de comunicação.

Como explicar o fato de um governo como o de Lula, após quase sofrer um golpe encabeçado pelos “donos da mídia” nas últimas eleições presidenciais, mesmo assim derramar centenas de milhões de reais em anúncios publicitários para divulgar suas ações? A mídia que trabalha arduamente para assistir à derrota de Lula e emprega a informação de forma instrumentalizada e ideológica é a mesma que fatura milhões em anúncios oriundos do próprio Governo.

Ao investir anualmente tanto dinheiro na grande mídia, o Governo Federal contribui para a supremacia do pensamento único na agenda informativa, além de enfraquecer a diversidade e a pluralidade de informações e opiniões sobre o Brasil e o mundo promovidas pelos veículos alternativos de imprensa. O Brasil necessita urgentemente de políticas públicas que atendam a demanda cada vez mais crescente e indispensável de vozes dissonantes e alternativas ao pensamento hegemônico conservador no cenário midiático. E uma distribuição mais democrática dos recursos publicitários federais se insere nessas políticas.

Em momentos de crise, a solução é o Estado

No início dos anos 2000 (entre 2001 e 2003), alguns dos maiores e mais influentes grupos de comunicação brasileiros atravessaram um período de forte crise financeira. Um dos exemplos mais emblemáticos dessa época veio da GloboPar (holding que controla o império dos Marinho), que carregava uma dívida de bilhões de dólares. A saída foi mendigar recursos junto ao Governo Federal.

Mas as benesses do setor público para com os impérios de mídia resultaram em mudanças nas leis e até na Constituição Federal. Ainda nesse contexto de crise financeira, em 2002, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, foram aprovados no Congresso Nacional uma Emenda Constitucional (nº. 36) e uma Lei (nº. 10.610). A primeira permitiu a participação de pessoas jurídicas (empresas) no capital social de empresas jornalísticas e de radiodifusão (emissoras de rádio e TV). Enquanto a Lei nº. 10.610 abriu para o capital estrangeiro a participação em até 30% nas empresas jornalísticas e de radiodifusão.

Como se vê, apenas em momentos como este o Estado é lembrado pelas corporações privadas de mídia, ao passo que um simples movimento em direção à regulamentação das leis que regem as comunicações no país e à regulação dos meios é considerado como um ato de censura e autoritarismo.

Os detalhes sobre os gastos do Governo Federal em publicidade nos meios de comunicação podem ser conferidos na página da
Secretaria de Comunicação Social, órgão com status de Ministério, liderado por Franklin Martins e ligado à Presidência da República. Cuida de assuntos relacionados à imprensa e à publicidade estatal.

Até a próxima!