domingo, 28 de junho de 2009

Projeto de lei visa tipificar condutas praticadas na Internet, mas pode atentar contra a liberdade e a privacidade na rede

Reação generalizada e muita polêmica entre internautas, midialivristas e acadêmicos. É o que está provocando, desde que veio à tona, a discussão acerca do substitutivo do Senado ao Projeto de Lei 89/2003, da Câmara dos Deputados (PL 84/99, na Casa de origem). A aversão à proposta é tanta que foi apelidada de “AI-5 Digital”, uma alusão clara ao Ato Institucional Nº 5, da ditadura militar no Brasil, que cerceou as liberdades civis e políticas dos brasileiros e calou a imprensa do país.

Mesmo fazendo uma leitura cuidadosa e sem pressa, a impressão que fica do Projeto de Lei 89/03, que recebeu substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), é de que a liberdade de comunicação pela Internet está realmente ameaçada. O PL altera o Código Penal e outras leis ao tipificar condutas praticadas por meios eletrônicos, digitais e similares.

Pontos polêmicos do projeto

Dentre os artigos que mais chamam a atenção é o 285-B, que se refere à obtenção, transferência ou fornecimento não autorizado de dados ou informações:

Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a pena é aumentada de um terço.

Pelo seu caráter amplo e desprovido de maiores especificações, o artigo acima conduz qualquer pessoa a pensar que o simples, e mais ainda comum, ato de acessar um sítio na Internet, obter informações contidas nele e, depois, transferi-las aos seus contatos da grande rede, se tornará crime. Ninguém pede autorização ao autor das informações ou dados postados na rede para capturá-los e transferi-los.

Se for assim, caso o PL 89/03 se torne lei, todos os internautas podem se considerar criminosos. Afinal, se não for para obter e compartilhar informações de forma livre e aberta, para que serve então a Internet?

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Num bate-papo on line realizado no dia 25 de junho pela Agência Câmara de Notícias (clique aqui para ter acesso), o deputado tucano Julio Semeghini, que é relator do Projeto de Lei na Câmara, respondeu as perguntas de 118 participantes.

Questionado inúmeras vezes se o projeto visa criminalizar quem faz downloads de músicas e filmes e depois os transfere para outros internautas, o parlamentar garantiu que não é essa a intenção da proposta: “O projeto trata das informações que estão protegidas e devidamente identificadas como não autorizadas em sistemas informatizadas”. Segundo ele, nosso hábito de baixar e distribuir músicas, filmes e outros dados pela Internet não se enquadra como crime.

Julio Semeghini argumentou ainda que o projeto apenas cria mecanismos legais para dar segurança aos computadores e à rede a fim de protegê-los contra a disseminação de vírus e os ataques de hackers. O deputado teve que responder várias vezes que o projeto está recebendo modificações em seu conteúdo para eliminar o aspecto amplo que carrega o PL 89/03 (ou PL 84/99).

O projeto que combate os cibercrimes trata ainda da inserção ou difusão de “códigos maliciosos”, isto é, os famosos vírus. É o artigo 163-A que versa sobre isso:

Art. 163-A. Inserir ou difundir código malicioso em dispositivo de comunicação, rede de computadores, ou sistema informatizado:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1º Se do crime resulta destruição, inutilização, deterioração, alteração, dificultação do funcionamento, ou funcionamento desautorizado pelo legítimo titular, de dispositivo de comunicação, de rede de computadores, ou de sistema informatizado:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 2º Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática do crime, a pena é aumentada de sexta parte.

Neste item, a interpretação ampla e dúbia se faz novamente presente. Cabe aqui uma pergunta: E se um internauta que tiver seu computador infectado por vírus, involuntariamente, enviar um arquivo contaminado para outra pessoa? Ele será penalizado por isso? A proposta, do jeito que está formulada, nem diz que sim, nem que diz que não! No bate-papo, Semeghini disse que passar vírus para outros computadores sem a intenção de fazê-lo não será considerado crime, mas a proposta, como já foi dito, não deixa isso claro.

Um dos pontos de maior discussão da proposição que tipifica crimes praticados na rede mundial de computadores refere-se ao poder que será dado aos provedores de acesso à Internet. Pelo projeto de lei atual, os provedores serão obrigados a guardar, de maneira segura e sigilosa, todas as informações dos internautas referentes ao endereço da origem, hora e data das conexões efetuadas na Internet.

É o que expressa o artigo 22, que também permite aos provedores denunciarem às autoridades indícios de práticas de crimes na grande rede, como também informarem acerca de denúncias recebidas:

Art. 22. O responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público é obrigado a:

I – manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 3 (três) anos, com o objetivo de provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;

II – preservar imediatamente, após requisição judicial, outras informações requisitadas em curso de investigação, respondendo civil e penalmente pela sua absoluta confidencialidade e inviolabilidade;

III – informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente, denúncia que tenha recebido e que contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade.


Tal artigo gerou enorme polêmica, tanto que o deputado Julio Semeghini afirmou que a atribuição de denunciar casos suspeitos ou denúncias recebidas, então concedida aos provedores, será reprimida do projeto de lei. Neste quesito, a perda de privacidade foi a maior preocupação dos participantes do bate-papo, hipótese descartada pelo relator da proposta, que afirma que os provedores não terão acesso a teor dos conteúdos acessados pelos internautas.

Disciplina para a radiodifusão, não para a Internet!


Neste momento, enquanto se discutem formas de combater crimes pela Internet, com riscos claros de cerceio ao seu uso, canais de rádio e TV - que são concessões públicas - estão praticando inúmeros crimes contra o cidadão e ferindo princípios constitucionais, do Estatuto da Criança e do Adolescente e de tantas outras leis da comunicação. Cenas de violência (inclusive com armas de fogo) são exibidas em desenhos animados e seriados; os reality shows (exibidos apenas à noite) são vendidos ao longo de todo o dia, com imagens que banalizam o sexo e o erotismo aos mais jovens etc.

Tudo isso, que chega de forma aberta e livre aos nossos lares, é feito em espaços públicos que deveriam veicular cultura, informação de qualidade e educação. Por que o Congresso Nacional não encara essas questões com as empresas de mídia, que privatizaram as concessões para atender os próprios interesses, e com a sociedade, a maior vítima desse cenário, para mudar a realidade da radiodifusão? Por que a tentativa de regular a Internet não gera reações conservadoras dos “donos da mídia” na mesma medida de quando o alvo é o sistema de rádio e televisão?

Meio de comunicação livre e de potencial democrático

Qualquer legislação que venha a disciplinar a Internet deve considerá-la um meio de comunicação livre e democrático, que permite a qualquer cidadão acessar e produzir conhecimento nos mais diferentes formatos e, acima de tudo, compartilhá-los sem restrições. É na Internet que o processo de comunicação abandona hierarquias obsoletas, a exemplo da velha relação emissor-receptor.

Na Internet, todos passaram a ser emissores, produtores de conteúdo em tempo real. Não se pode atribuir à Internet a responsabilidade pela violência em todas as suas formas e práticas! Acredito que qualquer regulação sobre a grande rede deve ser amplamente discutida na 1ª Conferência Nacional de Comunicação.

Até a próxima!

sábado, 20 de junho de 2009

"É preciso envolver toda a sociedade e popularizar o debate sobre a democratização da mídia"

Audiência Pública no Espírito Santo marca debates sobre a Conferência Nacional de Comunicação

O Brasil inteiro está mobilizado para a 1ª Conferência Nacional de Comunicação de sua história que acontece nos dias 1, 2 e 3 de dezembro deste ano. No Espírito Santo, não é diferente. Em terras capixabas, ocorrem audiências públicas e reuniões com ciclos de formação com a presença de vários segmentos da sociedade organizada.

O último evento preparatório foi na Assembleia Legislativa, na última quinta-feira (18/06). O convidado especial para a audiência foi José Luiz Nascimento Soter, coordenador da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço) e secretário geral do Fórum Nacional pela Democratização (FNDC).

A formação dos monopólios de mídia
Soter iniciou sua exposição falando da gênese dos conglomerados de comunicação no Brasil. Ele disse que a ditadura militar promoveu a verticalização das comunicações, em especial com a chegada da Rede Globo. Com isso, o país inteiro passou a receber um conteúdo quase todo gerado no eixo Rio-São Paulo.

Tal fato, segundo ele, gerou no meio social o que ele chama de “negação cultural”, ou seja, quando a sociedade do resto do país nega sua identidade em detrimento de valores comerciais difundidos pela mídia centralizada nos grandes centros urbanos nacionais. Assim nasceu e se fortaleceu o movimento pela regionalização da comunicação e pela valorização da cultura regional.

Sobre a realização da Conferência Nacional de Comunicação e o curto espaço de tempo que tem disponível para a sociedade discutir e se mobilizar, Soter foi enfático: “Embora o tempo seja curto, não devemos cruzar os braços. Ou realiza ou não realiza a Conferência. Caso contrário, não haverá democratização da comunicação no Brasil”, alertou.

Popularizar o debate
Trazer a sociedade para debater a mídia e sua influência no cotidiano das pessoas foi um dos pontos mais importantes discutidos durante a participação de Soter na audiência pública. “Temos que envolver e achar meios para convencer o cidadão comum a assumir sua responsabilidade de mudar os meios de comunicação”.

Disse ainda que cada agente dos movimentos sociais organizados deve levar aos lares brasileiros o debate sobre a Conferência de Comunicação, a democratização da mídia. “Os empresários têm os meios de se chegar à população. Temos que envolver a universidade, mas também é necessário popularizar a discussão”, argumentou Soter.

Controle social, concessões e regulação
Três temas relevam-se de suma importância e que devem permear os debates na Conferência: o controle social, as concessões e a regulação. Para Soter, não há meios de controle social para a sociedade reagir contra os ataques da mídia com relação ao seu conteúdo. Em casos de danos à imagem, por exemplo, o cidadão não tem a quem recorrer para recuperar sua imagem e sua moral perante a sociedade. “Defendemos que cada órgão de comunicação tenha espaços onde os cidadãos possam recorrer e reclamar”, explicou.

Sobre as concessões de rádio e TV, Soter disse que o espectro de radiofrequência encontra-se totalmente ocupado pelas emissoras comerciais. Para ele, é indispensável regulamentar o artigo 223 da Constituição Federal e fazer valer o princípio constitucional que determina a complementaridade, ou seja, o equilíbrio do sistema de radiodifusão em três tipos: o comercial, o estatal e o público, o que de fato não acontece. “Democratizar as comunicações no Brasil passa pela complementaridade do sistema”, defendeu.

O membro da Abraço e do FNDC acredita que a Conferência Nacional de Comunicação deva formular uma proposta de nova regulação da mídia, levando em consideração a propriedade dos meios, a convergência tecnológica e a produção e distribuição de conteúdos.

Ao final de sua exposição, Soter destacou a importância da mobilização pela Conferência no Espírito Santo: “É um responsabilidade monstra que temos, mas é preciso mobilizar os agentes sobre o tema. E é com a atuação da Comissão Pró-Conferência Estadual que vamos conseguir organizar e realizar a etapa estadual no Espírito Santo”.

Participaram da Audiência Pública o deputado estadual Cláudio Vereza (PT), proponente do evento, o professor da Universidade Federal do ES (UFES) Fábio Malini, a secretária de Comunicação da prefeitura de Vitória Ruth Reis, a presidente do Sindicato dos Jornalistas do ES Susana Tatagiba e o jornalista Sandro Pena, da Secretaria de Comunicação do Governo Estadual.

E as discussões não param por aqui. Semanalmente, na UFES, acontecem ciclos de formação, com a Comissão Pró-Conferência Estadual, que servem de preparatório para as conferências estadual e nacional de Comunicação. Outros municípios capixabas, do interior e da Grande Vitória, também se comprometeram a realizar audiências públicas em suas cidades a fim de mobilizar a população em torno da democratização da mídia.

Até a próxima!

domingo, 7 de junho de 2009

Parceria promete fortalecer campanha contra baixaria na TV brasileira

Denúncias acerca de situações humilhantes como a protagonizada pela menina Maísa, no Programa Silvio Santos, podem ser atendidas e solucionadas com mais agilidade a partir de agora. É que a Comissão de Direito Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão assinaram um Protocolo de Cooperação com o objetivo de disponibilizar e encaminhar as informações produzidas pela Campanha Quem financia a baixaria é contra a cidadania ao Ministério Público Federal.

O acordo pretende fortalecer a luta contra a baixaria e pela qualidade na programação da TV brasileira, “tendo em vista a necessidade de fazer chegar ao conhecimento do Ministério Público Federal as denúncias sobre possíveis violações a direitos fundamentais praticados na programação das emissoras, recebidas por meio da Campanha”, afirma o documento. O acordo permite, dessa forma, estreitar o caminho das denúncias feitas pelos telespectadores até o Ministério Público, consolidando de vez uma parceria que, em outros momentos, rendeu bons frutos.

A parceria entre Ministério Público e Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal não é à toa, nem é um fato isolado. Nos últimos anos, o telespectador brasileiro tem assistido a sucessivos episódios gerados pelo mau uso da televisão que, cabe sempre lembrar, é uma concessão de serviço público cedida pelo Governo Federal e prestado em nome da sociedade.

É a denominada “baixaria”, que consiste na oferta de conteúdos pelas emissoras de TV que se valem do desrespeito aos direitos humanos e da degradação da dignidade do ser humano para conquistar a audiência e os anunciantes tão desejados. Em reação a tal realidade cada vez mais preocupante, alguns movimentos organizados emergiram com o intuito de mobilizar a sociedade para o problema.

Um deles é a campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, criada em 2002 na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados. Sua missão é promover o controle social do conteúdo transmitido pelas grandes redes de televisão do País e abrir um espaço para que os cidadãos façam suas denúncias, seja por meio do telefone 0800 619 619 (ligação gratuita) ou pelo site Ética na TV. Em torno da campanha participam dezenas de entidades e ONGs.

As denúncias que chegam à campanha são avaliadas cuidadosamente e ajudam a formar uma lista, divulgada periodicamente no Ética na TV e também entregue aos anunciantes da TV. O objetivo é conscientizá-los a não associarem suas marcas a atrações de TV que banalizam a violência, o erotismo infantil, o preconceito contra as minorias sociais, a mulher e os homossexuais, enfim, que atentam contra os valores éticos e morais da pessoa e da família (conforme princípios expostos pela Constituição Federal).

Ao atentar para a responsabilidade dos anunciantes, a campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania tende a cortar o mal pela raiz, uma vez que a principal fonte de sustento da TV comercial é a publicidade. E mesmo que alguns programas considerados de baixo nível não apresentem bons índices de audiência, eles conseguem arrancar o patrocínio de grandes marcas.

Um exemplo disso foi a última edição do Big Brother Brasil (BBB9). Constatou-se que os índices de audiência do reality show medidos pelo IBOPE foram um fiasco se comparados aos números de edições anteriores. Mas por outro lado, a atração abocanhou o patrocínio de grandes empresas - desde marcas de cerveja, passando por carros e chocolates - logrando, assim, lucros vultuosos para a Rede Globo de Televisão.

A volta dos que (não) foram!

Ao longo de sua existência, a campanha pela ética na televisão brasileira conquistou importantes resultados. O maior deles talvez tenha sido o fim do programa Tardes Quentes, comandado por João Kléber, na Rede TV!. O apresentador, por várias vezes, liderou a lista da baixaria na TV, até que foi retirado do ar graças à pressão da sociedade civil organizada.

No entanto, outros ícones do lixo televisivo parecem ressurgir das cinzas (se é que eles um dia desapareceram de fato da telinha!), entre eles Ratinho e Cristina (esta última com o Casos de Família) (ambos no SBT), apostando na mesma fórmula de programa, como “lavação de roupa suja” em público e notícias espetaculares.

Já outros se mantém firmes e fortes nas grades de programação, a exemplo da Márcia Goldschmidt (Márcia, na Band), Luciana Gimenez (Super Pop, na Rede TV!), Gugu Liberato (Domingo Legal, no SBT), Silvio Santos (Programa Silvio Santos, SBT), Fausto Silva (Domingão do Faustão, na Globo), Nelson Rubens e companhia (TV Fama, na Rede TV!), Pânico na TV! (também da Rede TV!), Zorra Total (da Globo), entre outros.

Saber qual o prazo de validade de tais programas e se eles resistirão no ar, não é uma tarefa das mais fáceis! Entretanto, fica a pergunta: ainda há público para esse tipo de conteúdo na televisão? Ao invés de nos atermos a respondê-la, é melhor reunirmos forças e prosseguir na luta pela conscientização da sociedade por uma TV de princípios verdadeiramente democráticos, públicos e cidadãos.
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Apenas revelando massivamente o verdadeiro papel que cabe à televisão, enquanto serviço público oferecido em nome da população, é que a sociedade poderá se libertar da anestesia imposta pela TV convencional e enxergar nesse importante meio de comunicação sua função de informar, educar e promover cultura. Se não mudamos nós, a TV não muda!

Até a próxima!