sábado, 13 de novembro de 2010

A censura que vem da imprensa: os conselhos de comunicação segundo o JN

Censura! Não, internautas, não é o que propõem os conselhos estaduais de comunicação, mas é o que pratica a grande mídia comercial ao noticiar a criação desses órgãos no Brasil.


Em meio ao calor das eleições presidenciais deste ano, o Jornal Nacional veiculou duas "reportagens" nas quais o foco era o "controle da imprensa" a partir da criação de conselhos de comunicação. Entretanto, o que era para ser a boa notícia do dia, surgiu como representação de uma catástrofe. É a volta da censura!


O retorno da censura foi o mote das matérias exibidas pelo telejornal da família Marinho nos dias 21 e 26 de outubro. A primeira delas abordou de maneira totalmente enviesada e parcial a criação, pelos deputados cearenses, de um Conselho Estadual de Comunicação.


O Jornal Nacional, sabe-se lá com quais intenções, censurou a milhões de brasileiros informações fundamentais para que se possa entender a real importância da existência de um órgão desse tipo. Foi o que aconteceu com os dois primeiros artigos da proposta, que não foram citados na matéria:


Art. 1º. O Conselho Estadual de Comunicação Social [...] tem por finalidade formular e acompanhar a execução da política estadual de comunicação, exercendo funções consultivas, normativas, fiscalizadoras e deliberativas, respeitando os dispositivos do Capítulo V da Constituição Federal de 1988.



Art. 2º. Compete ao Conselho Estadual de Comunicação Social definir a política de comunicação do Estado do Ceará; realizar estudos, pareceres, recomendações, acompanhando o desempenho e a atuação dos meios de comunicação locais, particularmente aqueles de caráter público e estatal; e empreender outras ações, conforme solicitações que lhe forem encaminhadas por qualquer órgão dos três poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) ou por qualquer entidade da sociedade, sempre visando à efetivação do direito à comunicação, garantindo a liberdade de manifestação de pensamento, criação, expressão e de livre circulação da informação.


O Jornal Nacional também censurou aos telespectadores aquilo que existe de mais crucial entre os 27 objetivos do Conselho de Comunicação contidos no artigo 3º do Projeto de Indicação 72, conferindo destaque a expressões como orientar, fiscalizar e monitorar. Verbos bastante utilizados alguns anos atrás pela grande mídia ao fazer terrorismo contra a proposta de criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual) e do Conselho Federal de Jornalismo, órgãos acusados de promoverem censura caso fossem criados.


Na visão "democrática" da Rede Globo, é importante esconder da sociedade quais os reais objetivos do conselho, como "defender o exercício do direito de livre expressão, de geração de informação e de produção cultural"; "propor medidas que visem o aperfeiçoamento de uma política estadual de comunicação social, com base nos princípios democráticos e na comunicação como direito humano, estimulando o acesso, a produção e a difusão da informação de interesse coletivo"; "promover a produção independente e a regionalização da produção cultural, artística e jornalística"; "implementar políticas de capacitação dos cidadãos para leitura crítica dos meios de comunicação"; "estimular o processo de complementaridade dos sistemas de radiodifusão público, estatal e privado em âmbito estadual", entre outras ações democratizantes.


Um Conselho Estadual de Comunicação não rouba o que é de competência do Governo Federal e do Congresso Nacional em termos legais e constitucionais. Ao contrário, busca garantir e validar os princípios contidos na Constituição, com o diferencial de abrir as portas do debate sobre a comunicação para a sociedade. Como instância democrática, visa ainda assegurar a participação da sociedade civil, do empresariado e do setor público.


Distorção e omissão


A repórter Cláudia Bomtempo distorce a informação quando diz que as entidades que representam emissoras de rádio e TV não participaram da Conferência Nacional de Comunicação, evento que aprovou por quase a unanimidade a criação de conselhos de comunicação. As únicas a não participarem da ConfeCom foram a ABERT (que representa emissoras de TV como Globo, Record e SBT) e a ANJ (que representa o ramo de jornais).


O Jornal Nacional censurou ao público a informação de que a TELEBRASIL (que representa entidades e empresas de telecomunicações, como internet e TV paga) e a ABRA (que fala em nome da BAND e da Rede TV!) participaram da Conferência. Por que esconder do público essa informação? E que legitimidade têm entidades como ABERT e ANJ para falar em nome de centenas de milhões de brasileiros, uma vez que refletem os interesses dos empresários da mídia?


E o que dizer então das fontes entrevistadas na reportagem? A única voz que defendeu o projeto foi justamente a de um deputado do PT que votou favorável. Por outro lado, falaram contra a proposta um ministro da instância máxima da justiça brasileira (Marco Aurélio Melo, do STF), um representante das emissoras de rádio e TV (Luís Alberto Antonik, diretor-geral da ABERT) e o governador do Ceará, Cid Gomes. Placar do jogo: 3x1. Onde está o equilíbrio de versões, senhor Bonner?


Vale ressaltar a fala do ministro do STF. Para defender uma suposta inconstitucionalidade do Conselho de Comunicação, ele citou o parágrafo 1º do artigo 220 da Constituição Federal, o qual diz que "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (...).



Esqueceu-se do artigo 223, que determina a complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal de comunicação. Dever este amplamente desobedecido pelas empresas de mídia, pelos responsáveis em outorgar concessões de rádio e TV – ou seja, Governo Federal e Congresso Nacional – e pelo próprio Judiciário, já que, de longe, predomina no Brasil o sistema privado no setor.



O ministro Marco Aurélio também se esqueceu do parágrafo 5º do artigo 220, o qual proíbe o monopólio e/ou oligopólio dos meios de comunicação, mas carece de regulamentação por lei. E não é só: o ministro também não disse nada a respeito do crime que comete o Senado Federal por não colocar em funcionamento, conforme manda a Constituição em seu artigo 224, o Conselho de Comunicação Social, em estado de coma desde 2006. Onde está o Judiciário, que não nada faz sobre esses crimes praticados contra a Constituição e a nossa frágil democracia?



Conselhos e censura: a história se repete no JN


No dia 26 de outubro, o Jornal Nacional volta ao assunto. Desta vez, para "informar" a seus telespectadores de que a ameaça da "censura" não ronda apenas o Ceará, mas também outros cinco estados (Bahia, Piauí, Mato Grosso, São Paulo e Alagoas). Como é de costume ao padrão Globo de jornalismo, mais uma vez o fato é tratado de forma desequilibrada, enviesada e parcial. Um contexto em que o contraditório (a posição favorável aos conselhos) não passa de mero figurante.



Mais uma vez, os únicos que defendem a ideia são os responsáveis diretamente pelas propostas, ou seja, dois deputados estaduais de São Paulo. Já os que se apresentam contra são pessoas ligadas a entidades ou órgãos que, em tese, falam em nome da sociedade. São eles o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcanti; o diretor executivo da Associação Nacional dos Jornais (ANJ, que representa o patronato da imprensa), Ricardo Pedreira; e Nelson Ferreira, secretário de Comunicação de Alagoas.



E revela-se preocupante a fala do presidente da OAB: "A "imprensa deve ser livre. A imprensa só deve contas ao Judiciário quando acionada. Ela não pode ser censurada previamente, não pode ser monitorada, não pode ser fiscalizada. Isso é incompatível com o Estado Democrático de Direito".



Tanto emissoras de rádio e TV – que são concessões públicas - quanto os meios impressos (jornais e revistas) devem também, e principalmente, contas à sociedade. Afinal, sua principal matéria-prima, a informação, é um bem público e traz consequências para a sociedade, sejam elas benéficas ou não.



A grande ameaça ao Estado Democrático de Direito vem dos próprios meios de comunicação, pois estão monopolizados, privatizados, desobedecendo, rasgando nossa lei maior, a Constituição Federal, que preza pelo equilíbrio entre os meios estatais, públicos e privados.



Quem pratica a censura prévia no Brasil não é mais o Estado, mas sim grupos privados ligados à mídia, formados por famílias, igrejas e políticos. E a prova cabal disso é a censura aos brasileiros sobre o que são, de verdade, os conselhos de comunicação. Ver o Supremo Tribunal Federal e a Ordem dos Advogados do Brasil acobertarem os "donos da mídia" em seus crimes contra a verdade, a liberdade de expressão e a democracia traz um alerta de que a luta por um novo modelo de comunicação no Brasil não será tarefa das mais fáceis.



Se não mudamos nós, a mídia não muda!



Veja as matérias do Jornal Nacional:

Deputados do Ceará aprovam criação de conselho para controle de imprensa
(21/10/2010)



Parlamentares estudam iniciativas contra a liberdade de imprensa
(26/10/2010)


domingo, 7 de novembro de 2010

COLUNISTA POLÍTICO: não quero mais ser um!


Quando sonhava em ser jornalista, queria ser colunista político. Analisar as entrelinhas, ir além dos fatos, contextualizar conjunturas. Mas hoje, ao ler colunistas da grande imprensa, percebo que não é nada do que eu vislumbrava.


Muitos se especializaram em denegrir imagens de pessoas públicas, especialmente as que adotam discursos ou práticas mais à esquerda. As ditas "análises" se resumem a observações rasas do cenário político, totalmente enviesadas por convicções pessoais preconceituosas!


Os garotos e garotas de recado dos donos da mídia se especializaram num anti-petismo exaustivo e num pró-neoliberalismo sem medida. Não há espaço para o contraditório, para quem pensa diferente. O consenso reina absoluto, sem ameaças, criando "verdades incontestáveis"!


Esse consenso é construído de uma forma bastante sutil, quase imperceptível aos nossos olhos. Basta observarmos que os "grandes" colunistas do país têm seus artigos reproduzidos em inúmeros jornais pelo país afora. No meu estado, o Espírito Santo, por exemplo, os jornais A Gazeta e A Tribuna repetem as colunas de alguns dos veículos que melhor representam o pensamento conservador e neoliberal brasileiro. É o caso do jornais O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo


A Gazeta importa nomes como Élio Gaspari, Merval Pereira, Arnaldo Jabour (todos do jornal O Globo), enquanto que A Tribuna traz Miriam Leitão (O Globo), Dora Kramer (O Estado de S. Paulo), Clóvis Rossi (Folha de S. Paulo), entre outros. É a mídia local cumprindo um papel provinciano e enxergando a política nacional com lentes de quem não vive a realidade capixaba. O leitor capixaba não forma sua opinião da política nacional a partir de um olhar local. Difícil escapar de um cerco como esse, não acham!?


E o que dizer então quando repercutem "fatos" noticiados por outras mídias dos mesmos grupos para os quais trabalham!? É quando o fato (ou a análise) não surge "da rua", mas é fabricado na própria mídia. Aí, é o cúmulo da pobreza jornalística!


Porta-vozes de seus patrões, os colunistas políticos praticam não a liberdade de expressão, mas sim a liberdade de achincalhamento, especialmente contra aqueles que preferem não rezar a cartilha do conservadorismo. A última eleição presidencial é extremamente farta em exemplos do que afirmo aqui.


Com um poder quase de polícia, a dita grande imprensa tentou o tempo todo rebater e criminalizar qualquer discurso do presidente Lula ao longo da campanha. Quem não se lembra do episódio em que Lula criticou alguns veículos de comunicação quanto à postura deles diante o processo eleitoral e também ao monopólio da informação em poder de poucas famílias? Sintomas que nos fazem crer que a análise de cunho individual, personalizado, de que "fulano é do bem e cicrano é do mal", ganhou espaço em detrimento da análise do campo macro da política.


Muitos se queixaram da ausência de propostas para o Brasil em debates e discursos dos candidatos à presidência. Crítica louvável, mas também perfeita se fosse objeto de uma auto-crítica pelos colunistas.


Os tempos passaram, me tornei jornalista (diplomado!), mas minha vontade de ser colunista político transformou-se em completa aversão! Quero ser dono da minha liberdade!!!


Dedico este artigo aos colunistas Miriam Leitão, Clóvis Rossi, Eliane Cantanhêde, Merval Pereira, Dora Kramer e Arnaldo Jabour.

sábado, 9 de outubro de 2010

As reais ameaças à liberdade de expressão no Brasil

 
 

Publicado pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social

 
 

Às vésperas das eleições para o Executivo e o Legislativo em todo o país, em momento de intensa discussão sobre as questões de comunicação e liberdade de expressão, o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social apresenta para os candidatos e para o conjunto da sociedade uma análise do campo e uma série de questões a serem consideradas para que a liberdade de expressão e o direito humano à comunicação sejam garantidos a todos os brasileiros e brasileiras.

 
 

Baixe aqui o documento ou confira abaixo nossas contribuições.

 
 

Cenário das comunicações no Brasil

 
 

O Brasil tem um enorme déficit democrático neste setor. Hoje a realidade é de um sistema predominantemente comercial, concentrado e excludente, em que a maior parte da sociedade não participa e nem tem mecanismos para fazer circular seus pontos de vista. Para se ter uma ideia, a soma da participação das quatro primeiras emissoras de TV, todas elas de perfil privado-comercial, é de 83,3% no que se refere à audiência e 97,2% no que se refere à receita publicitária. Esses índices são alarmantes em qualquer mercado, e especialmente preocupantes em um setor cuja acessibilidade é essencial para o exercício da democracia. O sistema público de comunicação, que poderia ser um instrumento para mudar essa realidade, ainda é incipiente no país. Só em 2007 o Brasil se colocou o desafio de criar uma TV pública de abrangência nacional, e ela ainda tem um alcance restrito.

 
 

No campo do jornalismo impresso, há uma predominância significativa de veículos com posições políticas de direita e de centro, e são exceções raras, quase singulares, os veículos com posição progressista. Nesse cenário, a clara tomada de posição e partidarização dos veículos, que poderia ter caráter positivo em um cenário mais plural, desequilibra o debate público e afeta a democracia brasileira. Ressalte-se que a inexistência de pluralidade e diversidade neste setor não é fruto da 'vontade do leitor', mas da ausência de políticas públicas em um mercado que tem altíssimas barreiras de entrada e de permanência. Neste momento, o único espaço em que o debate se dá de forma mais plural é na internet, que tem tido papel significativo na ampliação do debate público, mas que enfrenta limites claros de acesso, como veremos mais adiante.

 
 

O conteúdo dos meios de comunicação também reflete esse quadro desequilibrado. A diversidade do Brasil não encontra espaço nos grandes meios. Ao contrário, há um tratamento estereotipado e discriminatório especialmente em relação a mulheres, negros e homossexuais, e as pessoas que se veem atingidas por essa programação não têm meios de se defender. Os movimentos sociais são ou invisibilizados ou criminalizados e perseguidos, enquanto os grandes grupos econômicos encontram amplo espaço para apresentar seus pontos de vista. A liberdade de expressão nos grandes veículos é realidade apenas para nove famílias; os outros 190 milhões não têm outra liberdade senão mudar de canal ou desligar a TV ou o rádio.

 
 

Déficit na regulamentação do setor

 
 

A legislação que trata sobre a rádio e televisão é ultrapassada e fragmentada – basicamente retalhos de leis da década de 1960, do tempo da TV em preto e branco. A Constituição Federal, que avançou na garantia de direitos ao povo brasileiro, incluiu um capítulo exclusivo sobre a Comunicação Social, mas, depois de 22 anos, ainda aguarda regulamentação de três do seus cinco artigos.

 
 

O artigo 220 da CF determina a proibição direta e indireta a monopólios e oligopólios nos meios de comunicação social, mas as únicas regras que existem sobre isso são da década de 60 e tratam apenas de limites de propriedade (quantos canais podem estar na mão de uma mesma entidade), sem considerar fatores chave como audiência e investimento publicitário. É preciso impedir a concentração das emissoras em todo o setor produtivo da comunicação por meio da regulamentação de novos limites à propriedade, audiência e investimento publicitário, e da implementação de políticas públicas que favoreçam a pluralidade e diversidade de vozes na mídia brasileira.

 
 

No mesmo artigo 220 está previsto que sejam criados meios legais para a população se defender de programação que atente contra os princípios constitucionais – outro ponto que segue sem qualquer regulamentação, impossibilitando o direito de a sociedade responder as arbitrariedades ou violações de direitos humanos praticadas pelas emissoras de rádio e TV.

 
 

Para o artigo 221, que busca garantir espaço no rádio e na TV para programas produzidos regionalmente e para a produção independente, existe um projeto de lei com proposta de regulamentação desde 1991, mas ele está engavetado no Senado. É preciso criar percentuais mínimos destas programações como forma de garantir o respeito a constituição.

 
 

Também a complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal, prevista no artigo 223, nunca foi regulamentada, e precisaria virar realidade para que se possa equilibrar o poder das grandes redes privadas (que representam atualmente cerca de 90% das emissoras no país) e garantir espaço para constituição do sistema público e estatal.

 
 

Para se pensar o conjunto da regulamentação do setor, deveríamos incluir, além disso, regras democráticas para as concessões de rádio e TV – que hoje são efetivamente capitanias hereditárias, por terem, na prática, renovação automática – e para as rádios comunitárias – que a lei atual confina à marginalidade. Seria necessário, ainda, promover a pluralidade e a diversidade nos meios de comunicação, garantir acesso às tecnologias de informação e comunicação e, mais do que tudo, garantir instrumentos de participação popular na definição das políticas e no acompanhamento do setor.

 
 

A realidade do acesso à banda larga

 
 

Enquanto a radiodifusão e a imprensa seguem como espaços de difícil acesso às condições de produção, a internet é um espaço aberto e democrático, e tem contribuído para a efetivação do direito à comunicação. Contudo, o Brasil não trata do acesso à banda larga como um direito do cidadão. Esse acesso é hoje caro, ruim e limitado. Apenas 27% das residências no Brasil têm acesso à banda larga. Se tomarmos as classes D e E em conjunto, esse número cai para 3%.

 
 

Também é relevante notar que 48% das pessoas que não têm internet em casa atribuem ao alto custo do serviço o principal motivo para isso. O valor médio pago pelos brasileiros para ter banda larga em casa corresponde a 4,58% da renda per capita no país. O valor é mais que o dobro do México e mais de 9 vezes o valor dos Estados Unidos. Assim, mesmo quem pode pagar compromete uma parte significativa de seu orçamento familiar com este investimento.

 
 

Isso deve mudar com o Plano Nacional de Banda Larga, mas mesmo o plano – que é bom, ressalte-se, mas insuficiente – não fala em universalização, apenas em massificação. Para mudar esse quadro, é preciso garantir a universalização do acesso à internet em alta velocidade, com tarifas reguladas e garantia da qualidade do acesso. O serviço de banda larga deve ser prestado em regime público (conforme o artigo 18 da Lei Geral de Telecomunicações) garantindo participação de empresas públicas e privadas. Além disso, é necessário que a sociedade civil continue participando na implementação do PNBL, com a garantia de maior acesso e participação nas decisões sobre as políticas para banda larga.


 

A comparação com outros países

 
 

A regulação dos meios de comunicação existe em países como França, Reino Unido, Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Portugal e, agora, de forma consistente, na Argentina. Em todos esses países há órgãos reguladores que incidem sobre questões de concentração de mercado e também sobre questões de conteúdo. Há regras que incentivam a pluralidade e a diversidade nos meios de comunicação, inclusive a pluralidade política, protegem o público infantil, e mecanismos para a população se defender de programação que atente contra a dignidade humana. No Brasil, nem um órgão regulador independente nós temos, já que a Anatel não é responsável pela regulação do setor de radiodifusão.

 
 

Questões que aqui são consideradas tabu são tratadas na mais absoluta normalidade até em países com forte predomínio liberal, como os Estados Unidos. Apenas como exemplo, em 2004, o FCC, que é o órgão regulador nos EUA, queria diminuir os limites à concentração (que, mesmo com as mudanças, seriam ainda mais fortes que os do Brasil). Houve pressão popular contra a medida e, quando ela chegou ao Congresso, até os republicanos votaram contra. Isto é, medidas que por aqui são consideradas radicais, por lá são defendidas pelo partido de Sarah Palin.

 
 

O processo da Argentina, que resultou na nova Lei de Comunicação Audiovisual, foi positivamente exemplar. Ele é fruto da combinação de setores sociais organizados com vontade política do governo. A lei aprovada cria condições para a ampliação do exercício da liberdade de expressão e está amparada em toda a legislação internacional de direitos humanos. Ali estão tratadas todas as questões importantes para a regulação do setor audiovisual. É fundamental, por exemplo, a reserva de um terço do espectro eletromagnético para meios de comunicação sob controle de entidades sem fins de lucro. Essa medida, tratada por aqui como se fosse um absurdo, é apoiada pelos relatores de liberdade de expressão da OEA e da ONU.


 

Liberdade de expressão e controle social

 
 

Em meio a esse cenário, o discurso da liberdade de expressão tem sido usado como justificativa para calar setores inteiros da sociedade. Não se pode deixar, contudo, que os setores conservadores se apropriem e distorçam o sentido dessa bandeira. A defesa da liberdade de expressão deve ser uma bandeira dos setores progressistas, daqueles que nunca tiveram voz e sempre precisaram lutar contra as opressões. É preciso ainda uni-la à bandeira do direito à comunicação, que implica obrigações para o Estado em garantir a toda a população o direito a produzir, difundir e acessar informações, com a criação de mecanismos que enfrentem limites técnicos, políticos, econômicos e culturais que dificultem esse exercício.

 
 

Além disso, se tomadas as principais lógicas que sustentam a liberdade de expressão, como a busca da verdade e o fortalecimento da democracia, este direito precisa vir acompanhado do direito à informação, que implica na garantia de que informações não sejam omitidas e que todas as diferentes perspectivas e visões sejam postas em cena. Sem isso, os objetivos intrínsecos à defesa da liberdade de expressão ficam tão prejudicados quanto no caso das ameaças diretas a essa liberdade.

 
 

A liberdade de expressão, além do mais, não exime nenhum ator – público ou privado – da responsabilidade sobre o que é dito ou veiculado. Essa responsabilização ulterior é totalmente democrática, prevista no mesmo artigo da Convenção Americana de Direitos Humanos que trata da liberdade de expressão, e deve vigorar especialmente no caso da violação a outros direitos humanos e a outros princípios constitucionais. Não é por acaso que a própria Constituição Brasileira prevê, no mesmo artigo que trata da liberdade de expressão, a existência de mecanismos legais para que a população se defenda desse tipo de conteúdo. Não há, contudo, mecanismos implementados para este controle social.

 
 

Ao afirmar a necessidade de mecanismos de controle social – necessidade nunca reconhecida nem implementada pelo atual governo –, o que queremos é justamente garantir que um serviço público, como é a radiodifusão, atenda ao interesse público. Na prática, isso significa garantir o controle do conjunto da sociedade, contra arbitrariedades do setor privado ou do governo, sobre três aspectos: a regulamentação e as políticas públicas para o setor, o serviço prestado e o conteúdo exibido.

 
 

Exemplos concretos de mecanismos para isso seriam, no primeiro caso, a existência de conselhos e conferências que determinem diretrizes para as políticas públicas, como acontece na área da saúde. No segundo caso, garantir ao cidadão, usuário desse serviço público, a possibilidade de monitorar e lutar pela qualidade deste serviço. Para isso são necessários desde mecanismos mais simples, como a criação de ouvidorias que recebam denúncias (os cegos, por exemplo, até hoje não contam com o serviço de audiodescrição, previsto em lei, e não têm para quem reclamar), até outros mais complexos, como a abertura de espaços de consulta sobre o processo de renovação das concessões.

 
 

No terceiro caso, para o controle social de conteúdo, é preciso garantir o cumprimento da Constituição, que prevê o direito de resposta proporcional ao agravo e a existência de meios legais para o cidadão se proteger de conteúdo que viole o disposto na própria carta magna. Hoje, por exemplo, se um meio de comunicação pratica violações de direitos humanos, a única opção de quem se sente atingido é acionar o Ministério Público Federal ou entrar diretamente com um processo, o que demanda tempo, dinheiro e conhecimento técnico. Não há uma via não judicial, rápida, que proteja o interesse do espectador. Mesmo entidades organizadas têm enorme dificuldade de se contrapor ao poder das emissoras, chegando a aguardar seis anos por um direito de resposta (como no caso da Ação Civil Pública apresentada pelo Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT – contra os frequentes ataques da Record às religiões de matriz africana). As emissoras, concessionárias de um serviço público, têm um poder absolutamente desigual em relação ao espectador, suposto beneficiário deste serviço.


 

A experiência da Conferência Nacional de Comunicação

 
 

Foi para buscar soluções para essas questões que foi realizada, em 2009, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação. Apesar de adotar algumas regras estranhas aos processos democráticos de conferências adotadas pelo Governo Federal, como privilégio claro ao setor empresarial, a Confecom teve 633 propostas aprovadas1 (sendo 569 delas por consenso ou com mais de 80% de votos favoráveis) que determinam uma agenda progressista para o setor da comunicação.

 
 

Com a realização de etapas locais nos 26 estados e no Distrito Federal, foram envolvidas diretamente cerca de 15 mil pessoas dos mais diversos segmentos sociais. Este processo é um passo fundamental para a criação de uma política pública de comunicação estabelecida a partir do diálogo e participação de milhões de brasileiros.

 
 

Entre as propostas aprovadas, destacamos:

 
 

  • a afirmação da comunicação como direito humano, e o pleito para que esse direito seja incluído na Constituição Federal;
  • a criação de um Conselho Nacional de Comunicação que possa ter caráter de formulação e monitoramento de políticas públicas;
  • o combate à concentração no setor, com a determinação de limites à propriedade horizontal, vertical e cruzada;
  • a garantia de espaço para produção regional e independente;
  • a regulamentação dos sistemas público, privado e estatal de comunicação, que são citados na Constituição Federal mas carecem de definição legal, com reserva de espaço no espectro para cada um destes;
  • o estímulo à criação de redes locais e regionais de rádios públicas, estatais e comunitárias.;
  • o fortalecimento do financiamento do sistema público de comunicação e das emissoras comunitárias, inclusive por meio de cobrança de contribuição sobre o faturamento comercial das emissoras privadas;
  • a descriminalização da radiodifusão comunitária e a aprovação de mudanças em sua regulamentação, com a abertura de espaço significativo no dial ao serviço, hoje confinado a uma frequência por localidade;
  • a definição de regras mais democráticas e transparentes para concessões e renovações de outorgas, visando à ampliação da pluralidade e diversidade de conteúdo;
  • a definição do acesso à internet banda larga como direito fundamental e o estabelecimento desse serviço em regime público, que garantiria sua universalização, continuidade e controle de tarifas;
  • a implementação de instrumentos para avaliar e combater violações de direitos humanos nas comunicações;
  • o combate à discriminação de gênero, orientação sexual, etnia, raça, geração e de credo religioso nos meios de comunicação;
  • a garantia da laicidade na exploração dos serviços de radiodifusão;
  • a proibição de outorgas para políticos em exercício de mandato eletivo.

 
 

No próximo período, é necessário que o poder público, em articulação com a sociedade civil, consiga transformar as resoluções da Conferência em um conjunto de leis e políticas públicas, garantindo a participação social no processo de elaboração e implementação dessas ações. Se o objetivo é, de fato, garantir a ampla e verdadeira liberdade de expressão e o direito à comunicação dos brasileiros, este deve ser o principal compromisso dos candidatos/as que forem eleitos ao Legislativo e ao Executivo.

 
 

1Veja o relatório oficial completo em http://www.secom.gov.br/sobre-a-secom/publicacoes/confecom

domingo, 26 de setembro de 2010

A mídia está nua!


O rei está nu! Ou melhor, a mídia está nua! A fábula de autoria de Hans Christian Andersen, A roupa nova do rei, se encaixa como uma luva na conjuntura político-midiática em que o Brasil vivencia às vésperas das eleições.

Tudo começou com os ataques desferidos pelos grandes meios de comunicação contra o PT e a candidata Dilma Rousseff, ambos (segundo o noticiário do PIG) envolvidos em irregularidades na Casa Civil e no caso da quebra sigilo na Receita Federal, o que, neste último caso, teria vitimado a filha de José Serra.


Denúncias foram sendo publicadas uma atrás da outra, sem cessar. Até que um dia Lula resolveu se rebelar diante tamanho denuncismo da mídia grande coincidentemente no período eleitoral. O presidente chegou a dizer em discurso que "nós somos a opinião pública", isto é, que a imprensa tradicional deixou, há muito, de ser a principal fonte de informação da sociedade.


Não deu outra. Soou mal aos ouvidos dos "donos da mídia" o comentário do presidente e, imediatamente, eles revelaram toda a sua aversão (histórica) a Lula e ao PT. Uma sequência quase industrial de artigos e "reportagens" foram publicados diuturnamente, atribuindo a Lula e a seu partido o "fato" de serem contra liberdade de imprensa.


Ora, mas será que só a velha mídia ainda não percebeu que ela tem cada vez menos poder sobre o imaginário dos brasileiros e que não impõe mais à sociedade a sua pauta!? Uma afirmação desse tipo não pode, de forma alguma, ser tachada de afronta à liberdade de imprensa.


A grande mídia não estar imune a críticas, seja qual for a origem delas, governo ou sociedade. Não podemos admitir que, em plena democracia, aqueles que criticam (com razão) o caráter enviesado da imprensa sejam crucificados por menos de uma dezena de famílias que mandam na mídia e reivindicam para si a titularidade exclusiva da liberdade de expressão e de imprensa.


Pobres colunistas dos jornalões, por ainda acreditarem na eficácia da obsoleta Teoria Hipodérmica* sobre a sociedade e se esquecerem dos múltiplos espaços alternativos de informação e comunicação cada vez mais usados pela população.


A verdade é que a imprensa brasileira jamais foi a opinião pública e sequer a representou! Ela nada mais é do que a "opinião publicada", como diria Venício A. de Lima, de um seleto grupo de famílias oriundas de setores oligárquicos da sociedade.


Um fenômeno importante perpassa o Brasil nos últimos anos. Embora Lula sofra diuturnamente da grande mídia críticas ferrenhas ao seu governo, ao seu comportamento visto muitas vezes como inapropriado a um chefe de Estado, o que se verifica, por sua vez, é uma altíssima popularidade do presidente entre os brasileiros. Tudo isso mesmo sendo alvo constante de notícias negativas desde o primeiro mandato. Sinal de que a população não precisa mais se apoiar na imprensa tradicional para formar convicções sobre a realidade em que vive.


A entrevista do presidente da República ao portal Terra esta semana também mexeu com os ânimos dos escribas da velha imprensa. Em uma de suas falas, Lula disse que "nove ou dez famílias" dominam a comunicação no Brasil, e que a imprensa tem partido, por isso deveria revelar à sociedade. Como diria o ditado, a verdade dói, e doeu para os "donos da mídia"!


Quando Lula diz que "nós somos a opinião pública", que os meios de informação são controlados por poucos grupos e que são partidários, ele desnuda a grande farsa histórica contada e recontada pelos grandes veículos de comunicação, a qual afirma que eles refletem os anseios da sociedade e que são democráticos. Agora, Lula paga um preço alto por exclamar a todos: A MÍDIA ESTÁ NUA!!! Torço para que, assim como na fábula Hans Christian Andersen, a sociedade se levante e faça eco ao que Lula disse. Talvez seja esse o primeiro passo para democratizarmos a comunicação no Brasil.


*Segundo essa teoria da comunicação, o indivíduo é influenciado diretamente pelas mensagens oriundas dos meios de informação. Ela desconsidera fatores culturais, psicológicos e sociais que perpassam a relação entre a mídia e o indivíduo, este visto como isolado e acrítico. Para a teoria hipodérmica, também conhecida como teoria de bala, todos os indivíduos reagem de maneira uniforme às mensagens produzidas pelos meios.

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domingo, 19 de setembro de 2010

Rede Globo faz apologia à tortura em reality show


Você já deve ter ouvido falar nos noticiários sobre os atos de tortura e humilhação contra pessoas praticados por soldados norte-americanos em prisões de guerra mantidas pelos Estados Unidos em diversos países do mundo. Quem de nós nunca se revoltou ao ver aquelas cenas, que se repetiam à exaustão? Mas infelizmente, isso não é exclusividade do exército de Tio Sam e nem das prisões de guerra.


Em terras brasileiras, não são as prisões de guerra que promovem atos bárbaros e aterrorizantes similares aos mencionados acima. Por aqui, tais práticas são produzidas nos estúdios da maior emissora de TV do país e veiculadas para milhões de lares Brasil afora. Refiro-me à Rede Globo de Televisão. A rede de comunicação que patrocinou o regime opressor da ditadura militar, hoje faz apologia à tortura através do programa "Hipertensão", mais uma atração do gênero reality show em que os participantes são colocados em situações no mínimo bizarras e absurdas.


A Globo exibiu esta semana no "Hipertensão" práticas que facilmente seriam consideradas crimes contra a humanidade caso fossem levadas a julgamento. Pelo menos duas cenas me chamaram muito a atenção. Em uma delas, duas participantes gritavam desesperadamente, enquanto cobras e outros animais peçonhentos rastejavam sobre seus corpos. A outra cena consistia numa prova em que os participantes deveriam ingerir bebidas com ingredientes nada convencionais, além de comer insetos, minhocas e larvas vivos.


Será essa a tal liberdade de expressão que a família Marinho tanto defende: a prática de tortura em troca de pontos no IBOPE e de lucros? Será que esse tipo de conteúdo de baixo nível, em que a dignidade da pessoa é objeto de um espetáculo sórdido e mesquinho, tem razão em existir?


Absolutamente, não é isso que a Constituição Federal prega aos cidadãos e aos meios de comunicação. Segundo nossa Carta Magna, fruto de um desejo democrático de liberdade e de cidadania, ambos devem zelar pelos valores da família e pela dignidade humana!


Outro detalhe importante: televisão no Brasil é concessão pública; logo, tem deveres muito nobres a cumprir: priorizar a cultura, a educação, a produção artística regional e os direitos humanos. Ou seja, nada do que faz a Rede Globo em programas sórdidos como Hipertensão ou BBB.


Mas você já parou para imaginar o porquê disso tudo? Alguns mais imediatistas acreditam piamente que tais tipos de conteúdo são veiculados porque têm audiência. Quer dizer, a culpa é do telespectador, isto é, minha e sua. Existe, porém, algo muito maior e mais poderoso que sustenta programas como o Hipertensão na TV. Um fator muito mais estrutural, com um viés mais econômico do que cultural, eu diria.


É o monopólio/oligopólio dos meios de comunicação. Em outras palavras, a forte concentração da mídia em poucos grupos empresariais, os quais mantêm fortes relações com conglomerados multinacionais de comunicação e entretenimento que produzem programas do estilo do Hipertensão e do Big Brother Brasil. Como é o caso da Rede Globo com a Endemol, da Holanda, criadora desses formatos de programa.


Mas como lidar com esse poder autoritário, responsável por decidir o que vemos, lemos e ouvimos nos meios de comunicação? Esse poder só vai acabar a partir do momento em que forem aprovadas medidas como ocorreu na Argentina. Nosso país vizinho proibiu a propriedade cruzada após aprovarem uma nova e ousada legislação para a mídia.


A título de esclarecimento, a propriedade cruzada ocorre quando um mesmo grupo ou empresa controla vários veículos, como rádio, TV paga e aberta, internet, jornal, revista... Na Argentina, os concessionários de rádio/TV agora só podem ter até 10 concessões. Quem tem acima disso, terá que se desfazer dos canais.


Mas claro: acabar com o monopólio na mídia com o único objetivo de democratizar a comunicação. A mídia argentina será dividida de forma igual para todo mundo. O Brasil tem dado passos importantes: a 1ª Conferência Nacional de Comunicação e a criação de um grupo de trabalho interministerial pra atualizar a legislação do setor são bons exemplos. Mas esses foram apenas os primeiros passos de uma caminhada longa e repleta de obstáculos, porém amplamente possíveis de serem superados!


No entanto, há que se deixar claro que a solução não se resume tão somente no âmbito legal, ou seja, em elaborar leis e pô-las em prática. Há que se formar cidadãos cientes do verdadeiro papel dos meios de comunicação em nossa sociedade. Nesse momento, a questão em debate é: queremos uma mídia voltada à formação de cidadãos e comprometida com uma cultura democrática e de paz, ou uma mídia que promove a banalização da violência e da tortura com objetivos meramente econômicos?


Tais fatos nos dão outro alerta: é urgente e inevitável retomarmos o debate da implantação integral da terceira versão do Plano Nacional de Direitos Humanos, o qual defendia o respeito à dignidade humana na programação do rádio e da TV como critério para a concessão e renovação de emissoras, além da criação de mecanismos de controle social da mídia. Todavia, o Plano sofreu constantes ataques da imprensa privada, que foi contra sua implantação ao criar falsas polêmicas e ao não promover um debate aberto e democrático


Em suma, ao democratizar a propriedade dos meios de comunicação, descentralizar seu controle e educar os cidadãos para a mídia, podemos forjar uma sociedade que não aceitará mais assistir a cenas em que pessoas sejam submetidas a práticas de tortura e a toda sorte de humilhação, sejam elas praticadas em prisões de guerra ou em estúdios de emissoras de TV sustentadas pelo poder público por meio de publicidade. Em outras palavras, não aceitará mais que os direitos humanos sejam menosprezados em troca de dinheiro e poder.


Se não mudamos nós, a mídia não muda!

domingo, 5 de setembro de 2010

Eleições 2010: Comunicação não figura entre prioridades de candidatos ao governo capixaba


Planos de governo descartam propostas da 1ª Conferência Estadual de Comunicação


Quatro candidatos ao governo estadual e um ponto em comum: a ausência da comunicação como política pública. Qualquer que seja o vencedor das próximas eleições para o cargo de governador do Espírito Santo, a única certeza que temos é de que a comunicação social não estará entre as prioridades.


Ao ler os programas de governo registrados no TRE-ES pelos candidatos Luiz Paulo Vellozo Lucas (PSDB), Brice Bragato (PSOL), Gilberto João Caregnato (PRTB) e Renato Casagrande (PSB) a comunicação sequer é citada em áreas afins, como educação, direitos humanos, cultura, promoção da igualdade racial, direito das mulheres e políticas LGBT. Setores os quais mantêm fortíssima relação com a comunicação social, estão diretamente ligados a ela.


De forma tímida, a única candidatura ao Palácio Anchieta (sede do governo capixaba) que apresentou alguma proposta para a comunicação foi a de Renato Casagrande. Sem dizer como ou dar maiores detalhes, o programa do candidato do PSB diz que vai implantar um "plano estadual de banda larga". Talvez seja uma extensão do que já começou a ser feito pelo governo Lula, que criou o Plano Nacional de Banda Larga (para ler mais, clique aqui).


Ainda no campo da banda larga, Casagrande quer implantar o "Programa de Inclusão Digital no Meio Rural" e estabelecer parcerias com as operadores de telefonia fixa e móvel para ampliar os serviços de telecomunicações em áreas desprovidas de infraestrutura, incluindo a internet.


Louvável a preocupação em democratizar o acesso à internet de alta velocidade. Entretanto, também seria muito louvável se o candidato favorito ao governo do Espírito Santo apresentasse uma proposta que desse vida nova ao sistema público de rádio e televisão capixaba, formado pela Rádio Espírito Santo AM e pela TVE.


Vale lembrar que o Brasil está em pleno processo de digitalização do sistema de radiodifusão, e as emissoras do campo público não vão ficar de fora. Prova disso é a implantação de uma rede única de transmissão digital para as emissoras de TV públicas liderada pela TV Brasil (canal televisivo criado pelo governo federal em 2007 a partir da fusão da Radiobrás com a TVE).


A pergunta que surge é: como a TV Educativa capixaba irá se inserir nesse cenário? Ela fará parte da rede pública de televisão que está sendo formada com base na TV Brasil? Há tempos a TVE não recebe a atenção que merece dos governantes capixabas, nem mesmo da sociedade organizada. Não sabem eles do quão é importante termos um sistema público de comunicação forte, funcionando como excelente instrumento para a promoção da educação, da cultura, da diversidade e da cidadania.


Mas a surpresa fica por conta da única candidatura verdadeiramente de esquerda, ou seja, a do PSOL, cujo programa de governo traz propostas importantes direcionadas ao povo negro, à cultura, à educação, ao público LGBT, à mulher. No entanto, peca por esquecer da comunicação social, a qual flerta perfeitamente com cada uma das propostas acima.


É importante ressaltar que em 2009 foi realizada a 1ª Conferência Estadual de Comunicação no Espírito Santo. Evento este convocado pelo governo do Estado e que antecedeu a etapa nacional. Inúmeras propostas foram apresentadas e aprovadas pela sociedade civil para democratizar a comunicação no estado; porém, como se vê, foram todas descartadas pelos postulantes ao cargo de governador (clique aqui para ler as propostas da Conferência)


Resta agora à sociedade civil organizada cobrar das autoridades locais, seja no Executivo ou no Legislativo, maior compromisso para as questões ligadas à comunicação social.



Trecho do programa de governo do candidato Renato Casagrande (PSB) dedicado à comunicação


Implantação de um plano estadual de banda larga.


Um dos grandes desafios da sociedade moderna é democratizar o acesso à informação. O advento da internet, redes sociais e das TIC, de um modo geral, trouxe muitos benefícios para a sociedade, mas também desafios. Nesse sentido, torna-se necessária uma ação do governo para democratizar o acesso às redes de alta velocidade.


Telecomunicações no Meio Rural


Implantar o Programa de Inclusão Digital no Meio Rural;


Articular e estabelecer parcerias com as concessionárias de serviços de telefonia fixa e móvel para a implantação de programas de acesso aos serviços de telecomunicações e internet nas localidades e comunidades mais carentes de infraestrutura.

domingo, 29 de agosto de 2010

TV Pública: independente do Estado e do mercado, a serviço do conhecimento e da cidadania

Título original: A serviço do conhecimento e do espírito crítico do telespectador

Publicado originalmente pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)

Ana Rita Marini

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A televisão pública ideal para o Brasil deve ser independente economicamente, tanto do Estado, quanto da publicidade, e garantir sua existência independentemente dos humores dos governantes do momento. Essa TV precisa conquistar seu espaço e competir – sem obsessão por audiências – com as emissoras comerciais e conseguir tirar a população da condição de refém do modelo dominado pelo marketing. Assim é a televisão pública idealizada por Laurindo Leal Filho (Lalo), cientista social, doutor em Comunicação, apresentador na TV Brasil do programa "Ver TV", entrevistado deste e-Fórum.

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Para Lalo, o entretenimento deve ser um dos pilares da programação na televisão pública, que precisa ainda informar e capacitar o telespectador para ter suas próprias ideias. "O dono da verdade deve ser o público e não a emissora", afirma. Leia a seguir.

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e-Fórum - Como o senhor define "TV pública", considerando a realidade e as necessidades brasileiras?

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Lalo Leal - No Brasil, é imperiosa a necessidade de uma televisão pública nacional forte, capaz de competir em pé de igualdade com as emissoras comerciais. Infelizmente, adotamos aqui o modelo de exploração privada da radiodifusão desde o seu início, sem abrir espaços para alternativas. Isso fez com que a população brasileira ficasse refém de um modelo único, cuja finalidade primordial é a realização de lucros para os seus controladores.

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Descartou-se a ideia da prestação de um serviço de radiodifusão voltado para a ampliação do conhecimento, do incentivo ao espírito crítico e da ousadia na criação de formatos e conteúdos audiovisuais, entre outras características inerentes ao modelo público de rádio e TV.

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No caso específico da televisão, é importante que ela, ao prestar esse tipo de serviço, crie um novo público capaz de exigir também das emissoras comerciais produções de melhor qualidade. Com isso, a TV pública não só cumpriria a sua missão específica, como também contribuiria para a melhoria de todo o conjunto da televisão brasileira.

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e-Fórum - Qual seria o papel do Estado/governo na TV pública que o senhor idealiza?

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Lalo Leal - Ao Estado, acima dos governos, cabe a tutela institucional desses empreendimentos, na medida em que são eles os detentores das respectivas titularidades. Cabe, igualmente, impulsionar essas iniciativas oferecendo as condições institucionais e materiais básicas para o funcionamento desse tipo de emissora.

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Assim como devem alocar recursos para a saúde, a educação e a cultura, os governos têm também a obrigação de investir na televisão pública. Ainda mais no Brasil, onde ela é, para a maioria absoluta da população, a única fonte de informação e de entretenimento. Nesse sentido, a TV Pública torna-se peça importante no aprimoramento da democracia, na medida em que pode oferecer visões de mundo além daquelas determinadas pelo mercado.

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Quanto ao controle, a presença dos governos nos conselhos gestores é importante na medida em que os titulares dos cargos executivos têm o respaldo da sociedade obtido pelo voto. Mas para dar conta da ampla diversidade cultural existente nos pais, é igualmente importante a presença nos conselhos de representantes da sociedade, indicados por ela, em processos abertos e democráticos.

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e-Fórum - Quem deve financiar uma TV pública (além do Estado) e qual seria o mecanismo adequado? Ele incluiria a veiculação de anúncios pagos?

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Lalo Leal - O modelo ideal é o do financiamento autônomo das emissoras públicas, capaz de torná-las independentes tanto do Estado como da publicidade, como ocorre em alguns países europeus onde as emissoras são mantidas exclusivamente pelas taxas pagas pelos telespectadores.

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No caso brasileiro, acredito que não exista cultura nem condições materiais objetivas para que grande parte da população possa assumir mais esse encargo. Dessa forma, o ideal seria a existência de uma cesta de fontes de financiamento capaz de evitar a dependência excessiva da emissora em relação a apenas uma delas.

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Sem dúvida, caberia ao Estado a fatia maior, mas a ela poderiam ser acrescentados recursos de doações e de apoios culturais a programas e programações, por exemplo. Mas propaganda, de forma alguma, descaracteriza a linguagem da emissora e a coloca no mesmo plano das empresas comerciais de comunicação ao passar a disputar, com elas, o mercado publicitário, com o inevitável rebaixamento da qualidade da programação. Quando isso ocorre, o departamento de marketing passa a ter mais poder do que os setores de produção da emissora, impondo critérios de mercado em detrimento da prestação de um serviço público.

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e-Fórum - Trata-se de criar uma nova rede de TVs ou de tentar transformar a rede atual, controlada pelo Estado?

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Lalo Leal - Acredito que, no plano nacional, a TV Brasil está se constituindo na espinha dorsal da nova rede. Falta ainda a universalização do seu sinal para que a programação por ela produzida possa chegar, com alta qualidade técnica, a qualquer parte do país.

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Além disso, diante das dimensões territoriais brasileiras e da sua diversidade cultural, o ideal seria que houvesse, além de um canal nacional, canais públicos regionais e locais. E mais ainda, que pelo menos a emissora nacional pudesse emitir, no mínimo, três programações diferenciadas por três canais independentes: um apenas com programação para crianças, outro exclusivamente de notícias e um generalista para todos os gostos. Por que não? Tecnologia, recursos humanos e financeiros existem, resta acioná-los.

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e-Fórum - A TV Cultura de SP, referência no Brasil, enfrenta grave crise. Estamos perdendo um modelo de TV pública no país?

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Lalo Leal - Crise na TV Cultura de São Paulo não é novidade. Em meados da década de 1980, publiquei um livro (Atrás das Câmeras - Relações entre Cultura, Estado e Televisão. Ed. Summus, SP) sobre essa emissora onde analisava as crises ocorridas desde a sua inauguração, em 1968. De lá para cá, nada mudou.

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Apesar de ser mantida por uma fundação de direito privado, portanto imune à intervenção estatal, a TV Cultura vive sempre sob pressão dos governos de turno do Estado de São Paulo. Ainda que formalmente autônomo, o Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta é muito submisso às imposições dos governos do Estado e muito distante da sociedade. No entanto, não acredito que o modelo esteja se perdendo.

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Na minha opinião, ele pode ser mantido e aprimorado. Começando, por exemplo, com a ampla divulgação dos nomes e dos contatos de todos os conselheiros da Fundação Padre Anchieta e das suas disponibilidades de horários para o atendimento do público. Afinal, eles não são os representantes da sociedade? Para exercer essa tarefa, o requisito número um é ouvir os seus representados.

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e-Fórum - Qual seria o tipo de programação ideal para uma TV pública? Deveria abdicar de transmitir novelas, por exemplo?

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Lalo Leal - Não. O entretenimento deve ser um dos pilares da programação de uma TV pública e nele a dramaturgia deve ter um papel central. Por que não levar ao ar séries teatrais baseadas em clássicos da literatura universal contando com os recursos cenográficos e técnicos consagrados pelas novelas?

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A programação deve ser atraente, construtiva, de bom nível, que dê conta de toda a riqueza cultural produzida no país. Sem obsessão por altas audiências, mas também sem desprezá-las. Buscando atender aos mais variados gostos do público, dentro de padrões éticos e estéticos elevados. "O serviço público de rádio e televisão deve tornar o popular respeitável e o que é respeitável popular", resumia Alasdair Milne, diretor geral da BBC nos anos 1980.
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Para deixar tudo isso mais claro, dou exemplos de como seria parte da programação de uma rede pública. Deve, por exemplo, resgatar os programas musicais de qualidade, exibindo-os no horário nobre, na faixa das 20h, concorrendo diretamente com as novelas e os telejornais das emissoras comerciais. Aliás, a música já foi, em outras épocas, o carro-chefe das programações das grandes emissoras brasileiras. Hoje ele é apêndice dos interesses das gravadoras.

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No domingo à tarde, por exemplo, quando o público brasileiro está acostumado a ver programas de auditório – sempre os mesmos, a mesma coisa - é possível fazer um programa agradável, estimulante, sem cair na baixaria. A TV Bandeirantes colocou no ar o programa 'É tudo improviso', feito por um grupo de teatro que trabalha com humor de alto nível. Esse grupo numa TV pública, num domingo à tarde, estaria conquistando telespectadores desses programas de variedades para um outro nível de produção artística e até levando gente ao teatro e à música mais elaborada.
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Outro exemplo seria o da rede tendo como missão dar ao público um cinema de bom nível, nacional e estrangeiro, exibido sem intervalos. Algo que alguns canais a cabo já fazem para poucos privilegiados (menos de 10% da população brasileira). Para não falar da necessidade de uma programação infantil sedutora, com conteúdo educativo, mas sem loiras, prêmios ou merchandisings. E um jornalismo crítico e independente, capaz de oferecer ao telespectador informações que o habilite a tomar, ele próprio, suas decisões. O dono da verdade deve ser o público e não a emissora.
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O Brasil, infelizmente, é uma das poucas grandes democracias do mundo que não exibe debates políticos na TV como rotina. Eles surgem, como raios em céu azul, às vésperas das eleições, completamente engessados. Dá inveja ver, por exemplo, os programas de debates políticos regulares na TV argentina ou os debates sobre os temas do dia, toda a noite, na TV britânica.
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Se um dia a TV pública brasileira atingir essas metas, estaremos dando um salto de qualidade nunca visto em nossa televisão. Aproximando-a do modelo britânico, reconhecido como o melhor do mundo. E que tem como um dos seus objetivos "despertar o público para ideias e gostos culturais menos familiares, ampliando mentes e horizontes, elevar a qualidade de vida do telespectador, em vez de meramente puxá-lo para o rotineiro com programas concebidos como uma forma de capacitar o telespectador para uma enriquecedora experiência de vida. Parece sonho não? Mas sem ele, estaremos condenados à mediocridade.
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e-Fórum - Quais são as perspectivas para a TV pública brasileira, considerando as mudanças que ocorrerão nos governos federal e estaduais?
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Lalo Leal - O ideal seria que não houvesse mudança nenhuma. Que as emissoras seguissem suas vidas independentemente dos humores dos governantes do momento. Sei que isso é difícil por aqui. A ameaça, já superada, de uma vitória da oposição a nível nacional colocaria em risco o projeto da TV Brasil. Daí a necessidade da criação de mecanismos de controle e financiamento estáveis para todas as TVs públicas como forma de blindá-las contra qualquer tentativa de retrocesso.

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Laurindo Leal Filho - Cientista social, doutor em Ciências da Comunicação pela USP e pós-doutor pelo Goldsmiths College da Universidade de Londres. Publicou os livros "Atrás das Câmeras, relações entre Estado, Cultura e Televisão". "A melhor TV do mundo, o modelo britânico de televisão", "A TV sob controle, a resposta da sociedade ao poder da televisão" e "Vozes de Londres, memórias brasileiras da BBC", além de artigos sobre cultura e comunicação, com ênfase na televisão, em publicações científicas e de divulgação.

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Professor aposentado da Escola de Comunicações e Artes da USP, é ouvidor-geral da Empresa Brasil de Comunicação e apresentador do programa Ver TV, exibido pela TV Brasil e pela TV Câmara. Atuando, principalmente, nos temas: política, políticas públicas de comunicação, televisão, televisão pública, rádio e jornalismo. Foi Secretário de Esportes, Lazer e Recreação da Prefeitura Municipal de São Paulo na gestão Luiza Erundina (1989/1993).

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domingo, 15 de agosto de 2010

Legado da Conferência de Comunicação será perdido se propostas não se tornarem políticas públicas

Título original: Sem dar consequência, vamos perder o legado da Confecom

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Em entrevista ao FNDC, o professor e jornalista César Bolãno defende a criação de um Conselho Nacional de Comunicação deliberativo e autônomo e de um marco legal abrangente como políticas públicas essenciais para se avançar na democratização do setor no Brasil. Leia a íntegra da entrevista.

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Entrevista originalmente publicada no site do Fórum Nacional Pela Democratização da Comunicação

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Ana Rita Marini
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Ao cabo de oito anos, o governo do presidente Lula deixou muito a desejar no que se refere às políticas públicas de comunicação para o Brasil. Se o Parlamento não der consequência às demandas da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), será como se ela nem tivesse acontecido.

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De acordo com o professor e pesquisador César Ricardo Siqueira Bolaño*, autor do livro "Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil?", para avançar em políticas democráticas no setor, alguns dos principais elementos pelos quais se deve lutar hoje são a construção de um novo marco regulatório abrangente, que ultrapasse a questão dos ajustes legais por tecnologia; e a criação de um Conselho Nacional deliberativo e autônomo. Bolaño é o entrevistado exclusivo desta edição do e-Fórum. Leia a seguir.

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E-Fórum - Que regras determinam, atualmente, as políticas públicas de comunicação no país?

Bolaño - Tenho um livro publicado ("Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil?" Ed. Paulus, SP/2007) no qual discuto justamente qual é o sentido dessas políticas. E o que se observa é que as políticas de comunicação no Brasil têm uma regra, basicamente, que é a de atender ao interesse dos radiodifusores. O resto é secundário. Isso é a norma geral que se vê no estudo da história dessas políticas no país até muito recentemente.

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E-Fórum - Legalmente, como essas regras estão estruturadas?

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Bolaño - No Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, e na Lei Geral de Telecomunicações – LGT, de 1997, que separou a radiodifusão das telecomunicações. Desta forma, a radiodifusão continua sob o controle da antiga lei e o resto, as telecomunicações, inclusive a TV a Cabo e as outras formas de televisão pagas, estão de acordo com a nova lei e mais ou menos vinculadas ao setor de telecomunicações. No caso da TV a cabo, especificamente, existe uma legislação própria, de 1995 (Lei 8.977/95).

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E-Fórum - Isso resume as regras para a comunicação do país?

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Bolaño - Esses são os marcos gerais das políticas de comunicação, mais a Lei do Cabo, que é anterior à LGT, mas acaba se enquadrando na mesma, inclusive tendo como órgão regulador a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

A LGT foi elaborada no governo Fernando Henrique Cardoso, preservando o setor de radiodifusão sob a responsabilidade do Ministério das Comunicações, que atende basicamente os interesses dos radiodifusores. Então, toda a discussão sobre democratização das comunicações no Brasil será remetida para uma ou para outra [lei].

No Congresso Nacional, circulam alguns projetos. O PL 29 (atual PLC 116, que tramita no Senado, que regulamenta a entrada das empresas de telecomunicações na prestação de serviços audiovisuais) é o que mais se comenta. Mas sempre circulam propostas como a da Jandira Feghali (ex-deputada federal pelo PCdoB do RJ, autora do projeto de lei que prevê regionalizar a programação artística, cultural e jornalística das emissoras de rádio e TV, o PL 256/91), da regionalização, mas isso não chega a se materializar em mudança efetiva das políticas de comunicação no Brasil. Pelo menos até hoje não chegou.

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E-Fórum - Um novo marco regulatório poderia contemplar as políticas de comunicação frente aos avanços tecnológicos e garantir a função social da mídia?

Bolaño - Sim. Exatamente. Porque vivemos num mundo em que a tecnologia se desenvolve muito rapidamente e tudo vai sendo resolvido, na legislação brasileira, no caso a caso. Isso torna o processo bastante confuso.

Nós precisaríamos de um marco legal renovado e geral para o conjunto do setor, porque sempre que surge uma inovação tecnológica na área, há uma pequena mudança na lei ou há toda uma discussão, como no caso do PL 29, da convergência. Mas não se muda o arcabouço da legislação do setor de comunicação no Brasil. Não é pela tecnologia que isso vai se resolver.

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Acho até que na Constituição Federal brasileira tem mecanismos que poderiam ser regulamentados. A partir da própria Constituição seria possível criar um marco regulatório adequado. Penso que seria possível regulamentar a partir dali, porque a CF tem a base, só que não existe legislação para que a norma seja efetivamente cumprida.

E-Fórum - Quais são os maiores conflitos, hoje, no debate público da comunicação no país? E para a democratização da comunicação?

Bolaño - Para mim, a grande questão é que no Brasil, hoje, você pode dividir os interesses do setor em três grandes grupos: Conservador (defende os interesses da radiodifusão), Progressista (defende os interesses dos movimentos pela democratização da comunicação) e Liberal (defende os interesses das telecomunicações). Esses setores não são igualmente contemplados no processo de produção legislativa na área de comunicação no Brasil.

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O que precisaríamos é de um sistema mais equilibrado, em que o setor progressista também fosse contemplado, porque ele tradicionalmente defende aspectos importantes da legislação ligados à democratização da comunicação no Brasil. Os outros setores têm interesses mais corporativistas e são os que dominam.

Na questão do PL 29 (hoje PLC 116), por exemplo, são esses dois setores (Conservador e Liberal) que acabam encontrando soluções de compromisso. Porque se temos um setor de radiodifusão muito poderoso do ponto de vista da capacidade de lobby, temos um setor de telecomunicações muito mais poderoso ainda economicamente. Tudo vira uma disputa de mercado e são eles que darão a solução.

O setor que fica prejudicado nesse processo é o que representa a sociedade civil, que defende os interesses sociais do país. Então, acho que esse é o foco que deveria ser adotado por um governo democrático e popular como o atual, mas infelizmente a gente sabe que o que o Governo Lula fez no campo da Comunicação foi bastante insuficiente.

E-Fórum - Mesmo e apesar da Conferência Nacional de Comunicação?

Bolaño - Apesar da Conferência. Eu fui delegado, participei, mas não tenho mais notícias. Vai fazer um ano que acabou.

E-Fórum - Mas a Confecom propiciou o debate sobre políticas públicas de comunicação no Brasil. Como dar consequência ao acúmulo gerado pelo evento?

Bolaño - O debate no Brasil sempre ocorreu. É uma característica brasileira. Mas depois, nada acontece. A Conferência foi importante, porque se criou uma esfera pública em torno do assunto, foi chamada pelo governo. Legitimou o debate e inclusive colocou os três setores presentes – empresarial, sociedade civil e governo. Apesar de que os representantes mais importantes do empresariado, oligopolistas (as grandes redes de TV), não participaram.

O problema é que isso não teve uma consequência legislativa posterior. O Congresso Nacional não está dando consequência àquilo que foi debatido pela sociedade civil dentro da Conferência. E já vai fazer um ano.

Nos oito anos do governo Lula, dá para dizer que na área de políticas de comunicação nada avançou. É diferente da política cultural, por exemplo, onde aconteceram coisas. Na comunicação, houve a criação da TV pública (EBC, TV Brasil), interessante, mas que foi apenas um rearranjo. De fato, a TV pública no Brasil continua com o mesmo espaço que tinha antes, em termos de audiência e de produção efetiva. Então, a mudança estrutural, a mudança de hegemonia no setor de comunicação não ocorreu.

Temos que esperar agora que no próximo governo isso venha acontecer. Essa é a grande dívida do governo Lula, eu acho. Ele avançou numa série de coisas importantes no Brasil, mas deixou a desejar no setor da comunicação.

E-Fórum - No caso da TV pública, o que o senhor acha que falta para ela deslanchar?

Bolaño - Não tenho uma avaliação minuciosa dessa questão. De modo geral, não houve mudança significativa no panorama da televisão brasileira com isso. Se havia no Brasil as TVs públicas estaduais, hoje tem um sistema reformado, mas com o mesmo tipo de audiência e programação. Não houve mudança mais profunda.

Acho que para ter uma TV pública como a que tem na Europa, por exemplo, precisaria haver três canais. A Europa tem uma TV pública que disputa espaço. Na França, onde a primeira cadeia de TV foi privatizada, é a cadeia pública, hoje, que tem a liderança. Lá, foi privatizada a cadeia pública de maior audiência e a cadeia pública remanescente acabou assumindo a liderança em pouco tempo. Isso não se discute, isso é banal na estrutura da televisão europeia, por exemplo.

No Brasil a TV pública ainda fica na discussão filosófica. A TV pública deve transmitir novela? Acho que deve. E deve produzir novela de qualidade, porque faz parte do padrão cultural do povo brasileiro. Agora, com um canal só, fica difícil. Então, acho que essa preocupação não existe ainda. O que houve foi um rearranjo, até interessante do ponto de vista institucional, porque precisamos de um canal centralizado e isso foi feito. Mas não mudou o panorama da TV brasileira. Se a televisão brasileira está mudando é por força de outras questões que atuam no nível do mercado e não por força de uma TV pública diferente.

E-Fórum - Na sua opinião, um Conselho Nacional de Comunicação com caráter deliberativo deve fazer parte de um conjunto de políticas públicas para o setor?

Bolaño - Eu apoio a ideia do Conselho de Comunicação Social desde o início, na Constituinte (1988). Acho que foi uma conquista, mas que aconteceu muito tempo depois, de forma limitada e por um curto espaço de tempo. Acabou até cumprindo a proposta de debate, que se processou muito em função, inclusive, da atuação de algumas pessoas, do Daniel Herz, particularmente, que teve papel fundamental neste processo, mas em seguida acabou.

O que nós precisamos é de um verdadeiro processo de democratização da comunicação. Um conselho com as características (deliberativo, autônomo) propostas originalmente pelo setor progressista é um dos elementos importantes pelos quais se deve lutar ainda hoje.

Isso tem que ser realizado através do debate político e da hegemonia. Nossa estrutura hegemônica até hoje não permitiu que se avançasse muito nesse processo.

E-Fórum - Na busca de construir políticas de comunicação para o país, então, qual seria o próximo passo?

Bolaño - Acho que a grande questão é o novo marco regulatório, recuperando os debates da Conferência. O debate foi realizado, os documentos existem. Agora é dar consequência a isto, porque se mobilizou recurso público, inteligência brasileira. Um monte de gente participou, se chegou a algumas conclusões e esse material tem que ser trabalhado. O movimento deveria estar focado nisso.

É preciso que o novo governo - porque este já não poderá fazer, evidentemente - assuma isso. Que os candidatos assumam esse compromisso e que o próximo governo faça o que não foi feito até agora. Se o novo governo fizer, a gente até vai poder dizer que o governo Lula fez uma coisa importante na Comunicação, que foi a Conferência. Se não acontecer nada, é porque de fato não houve nada. Acho até que o governo Lula e quem o apoiou deveria assumir esse compromisso, mesmo se estiver na oposição, de ajudar a implementar uma nova política de comunicação no Brasil.


*César Ricardo Siqueira Bolaño é jornalista, autor, entre outras obras, do livro "Qual a lógica das políticas de comunicação no Brasil? (Ed. Paulus, SP/2007). Doutor em Economia, professor adjunto da Universidade Federal de Sergipe (UFS), do Programa de Pós-Graduação em Economia da UFS e do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília (UnB). Foi o primeiro presidente da União Latina de Economia Política da Informação, Comunicação e da Cultura (ULEPICC).
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