sábado, 23 de fevereiro de 2013

Frank, Yoani e a liberdade de expressão na grande mídia

Yoani Sanchez e Frank de La Rue. Dois personagens que protagonizaram fatos distintos recentemente no Brasil, mas que fazem parte de um mesmo contexto: a liberdade de expressão. Os dois estiveram no país, e esse foi o assunto que permeou a passagem de ambos por aqui. Mas os holofotes da grande mídia não foram iguais para os dois. Na verdade, nada que lembre uma cobertura equilibrada e imparcial, como exigem as regras do bom jornalismo. Vejam o porquê!

Yoani Sanchez é uma jornalista e blogueira cubana que ganhou fama em todo o mundo por criticar, através de seu blog, o regime político de Cuba, que, para a dissidente, não é democrático e não respeita a liberdade de expressão das pessoas. Em sua visita ao Brasil durante a última semana, foi recebida com pompas de chefe de Estado, inclusive no Congresso Nacional. Nas cidades onde participou de eventos, ouviu vaias e aplausos, o que a fez acreditar que no Brasil existe liberdade de expressão para todos.

Na grande mídia tupiniquim, não faltou espaço para blogueira da ilha caribenha de Fidel Castro. Yoani Sanchez foi destaque em inúmeras "reportagens" na TV, no rádio, nos portais de notícias e nos jornais. Em quase todas as aparições dela na grande mídia, o mesmo enfoque: a falta de democracia e liberdade de expressão em Cuba e a presença destes no Brasil. Em síntese, os grandes veículos de comunicação adotaram e incorporaram, em uníssono, o discurso anticomunista e liberal da jornalista cubana.

Agora, muda-se o fato e a repercussão da grande mídia, mas não o assunto. Em dezembro do ano passado, o Brasil recebeu a visita do relator especial para promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão da ONU, Frank de La Rue, que veio a convite da campanha Para Expressar a Liberdade, conduzida por movimentos que lutam pela democratização da comunicação no país. Ele participou de debates com segmentos da sociedade civil organizada e também se encontrou com importantes autoridades públicas, em Brasília.

Mas ao contrário da companheira latino-americana, a passagem do relator guatemalteco pelo Brasil não logrou, nem de longe, o mesmo destaque nas manchetes dos jornalões* e nas chamadas de grandes emissoras de rádio e TV, veículos estes controlados por um punhado de empresários que mandam na difusão da informação e das ideias no país. Mas não foi à toa que La Rue, mesmo representando um organismo da relevância que tem a ONU, ficou no subterrâneo da repercussão midiática.

O relator especial da ONU veio ao Brasil para falar sobre um tema que a grande mídia comercial daqui tem total aversão: a liberdade de expressão. Na verdade, a carência dela em nosso país. Fato este causado justamente, segundo o relator, pela enorme concentração da propriedade dos meios de comunicação em mãos de poucas pessoas. Ele elogiou a nova legislação da mídia na Argentina (a Ley de Medios), pois acredita que ela combate o monopólio da comunicação naquele país e amplia o acesso aos meios para segmentos da sociedade até então marginalizados; e criticou o poder que a mídia comercial tem no Brasil, em detrimento dos meios públicos e comunitários, e afirmou que a liberdade de expressão só existe num ambiente onde tenha pluralidade de vozes e diversidade de meios.

Enfim, Frank de La Rue falou tudo o que os "donos da mídia" têm horror de ouvir e de noticiar: que ao contrário do que a blogueira pop star cubana disse repetidas vezes em cada aparição dela nos meios de comunicação, no Brasil a liberdade de expressão não é garantida para todos! 

Talvez Yoani Sanchez não saiba, mas no Brasil, o Estado é coautor dessa realidade. Basta verificar quanto o Governo Federal gasta com dinheiro público em publicidade oficial nos grandes meios de comunicação. Cerca de 70% desses recursos vão para os cofres de apenas 10 veículos, segundo informações divulgadas recentemente. E a maior beneficiária é a Rede Globo de Televisão. Ou seja, o Estado brasileiro patrocina aqueles que restringem o direito à liberdade de expressão de cidadãos e cidadãs por deterem o controle de jornais, revistas, emissoras de rádio e TV por todo o país, editoras, portais de internet, canais de TV paga, enfim, de todos os meios possíveis, e por não darem espaço ao contraditório, à pluralidade de opiniões.

Enfim, meios fundamentais para que a sociedade possa expressar, publicamente, suas ideias e opiniões, mas que são utilizados para dar ampla repercussão aos fatos que melhor atendem aos interesses privados e ideológicos de grupos empresariais. Se a blogueira cubana fizesse uma rápida leitura do que foi publicado e exibido durante a sua visita e a do relator da ONU ao Brasil, talvez não retornaria para casa com a mesma impressão sobre o país.

 *Uma das raras exceções foi a entrevista publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, sob o título Brasil pode criar um novo modelo de mídia latino-americano, diz relator da ONU.

sábado, 16 de fevereiro de 2013

A cidade também é lugar de comunicação

Dois mil e treze é o ano das novas gestões municipais em todo o país, eleitas no ano passado. Para muitas, é hora de reorganizar a administração, fazer balanços e priorizar investimentos diante das dificuldades financeiras que muitos prefeitos encontraram ao tomarem posse. É claro que educação, saúde e segurança estão na boca do povo e devem encabeçar as ações de 10 em cada 10 gestões.

No entanto, que tal nossos gestores municipais começarem a olhar com mais atenção a comunicação, ou melhor, as políticas de comunicação? Aliás, poderia perguntar o internauta mais receoso, que importância teria essa área a ponto de uma administração local inserí-la na lista de suas políticas públicas? Uma relevância imensurável!

Mas poucos são os gestores municipais que têm essa percepção, infelizmente. E a causa disso pode vir de cima, de Brasília. É que a comunicação - considerada no conjunto dos meios de comunicação, como rádio, TV, telefonia, imprensa e, mais recentemente, a internet - pelo menos no que tange à legislação e às políticas para o setor, por determinação constitucional sempre esteve sob responsabilidade da União, ou seja, dos poderes Executivo e Legislativo federais. Uma realidade que desconsiderou - e ainda desconsidera - as inúmeras possibilidades existentes de experiências nesse setor que podem ser implementadas em âmbito local. Possibilidades estas que podem fazer da comunicação um meio de transformação social, de desenvolvimento local e de democratização do poder público e da sociedade.

Sabendo disso, o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, entidade que, desde 2002, se destaca na luta pela efetivação da comunicação como um direito humano fundamental, publicou em 2012 a nova versão do caderno Políticas Locais Para Comunicação Democrática


O documento sugere várias propostas de políticas de comunicação que podem ser implementadas nas cidades pelas gestões municipais com os objetivos de: fomentar a comunicação como ferramenta de democratização da gestão pública; garantir transparência da gestão e acesso às informações de interesse público; integrar as ações de políticas de comunicação às demais políticas públicas, como de saúde, educação, cultura, meio ambiente etc; potencializar a apropriação dos meios de comunicação existentes no município pelos cidadãos e o exercício da comunicação como um direito humano; contribuir para a ampliação da pluralidade de fontes de informação através de incentivos aos meios de comunicação locais; e fortalecer instrumentos de participação popular na definição e monitoramento das políticas nessa área, a exemplo de mecanismos de participação e decisão como o Orçamento Participativo (OP) e os conselhos municipais.

O caderno do Coletivo Intervozes também aponta os princípios e metas indispensáveis sobre a comunicação que devem constar na Lei Orgânica do município, como: a criação de conselhos municipais de comunicação; a instituição de fundos de incentivo e fomento à mídias alternativas, comunitárias e populares; a instituição de um plano municipal de comunicação com metas e diretrizes para as políticas da área; a determinação de critérios transparentes e democráticos à distribuição de verbas públicas para meios de comunicação; e a determinação de que toda publicidade oficial do poder público tenha caráter educativo e informativo, entre outros pontos que podem ser conferidos na publicação.

A partir dessas propostas, podemos chegar à conclusão de que a comunicação é amplamente realizável nas cidades, espaço onde a maioria dos brasileiros vivem, estudam e se comunicam sem a necessidade de romper limites geográficos para tanto. Basta uma boa dose de vontade política e interesse dos gestores municipais pela política de comunicação como um meio indispensável para o exercício da cidadania em sua plenitude.