sexta-feira, 30 de maio de 2008

Conselho de Comunicação Social: Passado, presente... e o futuro?

O cenário das comunicações atravessa um processo de transformações sem precedentes na história recente do Brasil. Já estão sendo feitas as primeiras transmissões de TV Aberta em formato digital; o rádio digital se encontra em etapa de testes e de escolha do modelo mais adequado à realidade brasileira; está no ar a TV Brasil, que pretende reunir, nos próximos anos, diversas emissoras de televisão do campo público (universitárias, educativas, culturais e comunitárias) para a formação de uma rede pública; as discussões entre sociedade civil, Governo Federal e Congresso Nacional no intuito de realizar uma Conferência Nacional de Comunicação que trate de temas como convergência tecnológica, políticas públicas para as comunicações e ainda um novo marco regulatório para o setor; e o modelo atual de concessões de rádio e TV, que foi objeto de debate pela sociedade e a Câmara Federal durante 2007.

Do outro lado, um tanto longe e indiferente a todas essas mudanças, está um órgão especialmente criado para proporcionar o debate, bem como o aprofundamento dos temas ligados às comunicações. É o Conselho de Comunicação Social, que está inativo desde o fim de 2006, à espera de que a Mesa do Congresso Nacional ratifique os nomes que irão compor o órgão nos próximos dois anos. Enquanto isso, faz-se imprescindível retomarmos um pouco da história desse importante instrumento que nasceu com a missão de ser um aliado da sociedade e do poder público na definição de políticas públicas no campo das comunicações.

O Conselho na Constituição Federal
No decorrer da história da luta pela democratização da comunicação no Brasil, um passo significativo foi dado com a instituição e a regulamentação do Conselho de Comunicação Social (CCS), a partir da Lei nº. 8.389, de 30 de dezembro de 1991.

De acordo com essa lei, o CCS é instituído como órgão auxiliar do Congresso Nacional, e tem como principal atribuição “a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do título VII, Capítulo V, da Constituição Federal”, especialmente no que diz respeito à liberdade de expressão, de criação e de informação; diversões e espetáculos públicos; programação em rádio e televisão; monopólio e oligopólio dos meios de comunicação; outorga e renovação da concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens; promoção da cultura nacional e regional, por meio do estímulo à produção independente e alternativa, entre outras legislações complementares aos dispositivos correspondentes à Comunicação Social.

O Conselho de Comunicação Social, segundo consta do artigo 4º da lei que instituiu o órgão, deve ser composto por um representante de cada entidade, como empresa de televisão, de rádio e da imprensa escrita; da categoria profissional dos jornalistas, dos radialistas, dos artistas e dos profissionais de cinema e vídeo; um engenheiro dotado de conhecimento na área de comunicação social; e, por fim, cinco membros representantes da sociedade civil.

Caminhos tortuosos no Congresso Nacional
A criação do Conselho está prevista desde a Constituição Federal de 1988, mas efetivamente entrou em funcionamento no ano de 2002, cerca de 10 anos após sua regulamentação, em 1991. Conforme a Lei nº. 8.389, o CCS deveria ser composto e instalado até o mês de abril do ano de 1992. Durante esse período, conforme o Relatório de 2002 do Congresso Nacional referente às primeiras eleições de composição do CCS, o Senado encontrou dificuldades para instalar a Conselho, “tais como, definição de critérios para a indicação dos representantes; regulamentação de um sistema de eleição pelo Congresso Nacional; ausência de entidades representativas de caráter nacional de algumas categorias profissionais” previstas na Lei do CCS (art. 4º), entre outras.

Segundo a Tese nº 15, da IX Plenária do
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, realizada em 2002, foi preciso “superar as fortes resistências à instalação do Conselho [de Comunicação Social] surgidas principalmente no Executivo e entre o empresariado de comunicação”.

Em 1995, diversas entidades representativas dos setores contemplados na lei que regulamentou o Conselho se reuniram no Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e encaminharam à Presidência do Congresso Nacional uma relação completa com os possíveis nomes para compor o CCS. Entretanto, o processo de escolha dos membros da instituição foi interrompido por falta de consenso no que se refere aos representantes da sociedade civil.

Naquele mesmo ano, foi aprovada a lei que, a partir de então, regulamentaria o setor de TV a Cabo no Brasil. Tal fato, segundo a Tese nº 15 do FNDC, contribuiu significativamente para a posterior instalação do Conselho de Comunicação Social e para o reconhecimento de suas atribuições. “O Executivo passou a ser obrigado a obter parecer prévio do Conselho sobre todos os regulamentos e normas que baixasse sobre o serviço [de TV a Cabo]”.

Após dez anos da lei, é instalado o CCS
Somente em 2002, entretanto, com o intuito de cumprir um compromisso assumido com os partidos de oposição e com as entidades representantes de setores da sociedade civil organizada, a exemplo do FNDC – o de instalar o Conselho de Comunicação Social antes da votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permitia a entrada de 30% de capital estrangeiro nas empresas de comunicação e da que permitia a participação de pessoas jurídicas no capital social das empresas jornalísticas e de radiodifusão (televisão e rádio) – o Senado Federal retomou as ações em torno da instalação efetiva do CCS.

Designou-se, então, uma comissão formada por senadores com a finalidade de receber indicações das entidades e dos lideres partidários, fato que provocou manifestações de diversas entidades profissionais, empresariais e da sociedade civil, que apresentaram indicações, propostas e opiniões com o intuito de compor o Conselho. Após passar pelo crivo do Senado e da Câmara dos Deputados, o Congresso Nacional chega a um consenso em torno da composição do Conselho de Comunicação Social. Tendo em vista esta definição, a relação com os nomes então sugerida foi levada à votação na Câmara Federal, em junho de 2002, e, enfim, foi eleita a primeira formação do CCS desde a sua regulamentação, em 1991.

Para o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), na condição de uma das principais e mais atuantes entidades representativas da sociedade civil no processo de instalação do Conselho, o CCS apresentou equilíbrio na sua composição, constituído por dois lados distintos, “o empresarial, empenhado na preservação do status quo, e o dos setores que atuam na luta pela democratização da comunicação ou tem postura crítica” quanto ao sistema de comunicação vigente no Brasil. O Conselho é vislumbrado pelo FNDC, em sua Tese nº 15 da IX Plenária, como “um instrumento institucional capaz [...] de redefinir as bases das relações entre o Estado, o setor privado e a sociedade civil, no que se refere às comunicações”.

Trata-se [...] de um privilegiado espaço institucional que abre para a sociedade, democraticamente, condições de incidência sobre o Legislativo e o Executivo, viabilizando publicamente o que antes só estava ao alcance dos lobbies empresariais. É uma instituição de tipo novo que, tendo apenas funções consultivas, privilegia a política e a interlocução entre setores com posições contraditórias, possibilitando o equacionamento das demandas sociais e dos diversos interesses das partes. (Tese Nº 15 do FNDC)

Um novo Conselho para uma nova comunicação
Tendo em vista toda a complexidade que marcou a implantação e o funcionamento do CCS, aliado ao seu papel estratégico nos debates que envolvem o campo das comunicações e às transformações reveladas pelos mass media nos últimos anos, é indispensável que o Congresso Nacional passe a adotar definitivamente como pauta obrigatória a luta pela democratização das comunicações no Brasil e ressuscite o Conselho de Comunicação Social.

O órgão foi motivo de críticas pelas entidades ligadas à democratização da mídia, uma vez que o Conselho já não apresentava equilíbrio em sua composição, estando a sociedade civil prejudicada em detrimento do setor empresariado. Neste ano de 2008, após quase dois anos estagnado, o Congresso Nacional ensaia a ressurreição do CCS. Mas não apenas o retorno de um Conselho meramente consultivo e auxiliar do legislativo. Cogita-se a possibilidade de mudanças quanto às atribuições do órgão, tornando-o mais independente e autônomo em relação ao Senado e com poder de decisão em torno de assuntos ligados às comunicações.

Considerando a relevância do Conselho de Comunicação Social para a sociedade e no debate público em torno da mídia brasileira, é essencial o acompanhamento e a participação de todos nesse processo de revigoramento do órgão.

Leia e conheça mais a história do Conselho de Comunicação Social:

Lei nº. 8.389 de 30/12/91, que criou e regulamentou o Conselho de Comunicação Social

Detalhes sobre as funções do Conselho de Comunicação Social

Relatório de 2002 do Congresso Nacional

Tese Nº 15 do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

Até a próxima!

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Leis que regulam as concessões de rádio e TV no Brasil são arcaicas e pouco mudaram ao longo de oito décadas

É público e notório que os mais variados segmentos da nossa sociedade são regidos por incontáveis leis, regras e códigos. Saúde, educação, trânsito, as relações familiares e sociais, as profissões, enfim, todas essas instâncias com as quais nos envolvemos cotidianamente possuem seus direitos e deveres. Inclusive a mídia!

Ao contrário do que alguns imaginam, os meios de comunicação, em qualquer lugar do mundo com o mínimo de democracia e liberdade, são regidos por um conjunto de legislações. No Brasil, porém, prevalece um cenário que mais lembra um “deserto regulatório”, uma “terra de ninguém “no sistema de comunicações, onde o caos e os desrespeito às leis são a única regra a ser seguida. Embora arcaica, fragmentada, cheia de brechas e sedenta por mudanças radicais, a legislação da mídia no Brasil existe. É o que veremos adiante!

Como tudo começou

O modelo atual de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços de radiodifusão (rádio e TV) no Brasil foi abordado por dezenas de leis e decretos e tem precedência em dois decretos-leis publicados nos primórdios do governo de Getúlio Vargas. Em 1931, o Decreto-Lei nº. 20.047 determinava que os serviços de radiodifusão fossem de interesse nacional e, assim, era função exclusiva do Poder Executivo Federal regulamentar, autorizar e permitir seu funcionamento, que deveria levar informação, cultura e educação à sociedade.

Em 1932, surge o Decreto-Lei nº. 21.111, que passou a regulamentar especificamente o serviço de radiodifusão no Brasil (o então chamado Serviço de Rádio Comunicação), juntamente ao decreto anterior. A partir dele, definiram-se os primeiros procedimentos e regras para outorgas de rádio e até 1962 os dois decretos (20.047 e 21.111) regulamentaram a radiodifusão brasileira referente às autorizações para exploração do serviço.

Código dos anos 60 ainda vigora

Um caos regulatório se seguiu aos dois decretos-leis, com novas regras que modificaram uma legislação já fragmentada, até que o governo federal, em 1953, enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei que abrigasse a telefonia e os serviços de radiodifusão em uma só legislação, ou seja, num código para as telecomunicações. Após nove anos de debates, foi promulgada, em 1962, o
Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), lei nº. 4.117, que reforçava alguns princípios importantes de leis anteriores, como os de interesse público e o de bem público para os serviços de radiodifusão e o espectro de radiofrequência (espaço onde são transmitidos os sinais das emissoras de rádio e televisão), respectivamente.

De acordo com o CBT, os serviços de radiodifusão são considerados de interesse público e o espectro de radiofrequência é visto como um bem público, limitado e natural, o que garantiria ao Estado (no âmbito do Poder Executivo Federal) organizar a radiodifusão, além de gerir e conceder as outorgas de acordo com os interesses que ele julgava serem do Brasil. O CBT confirmou regras centralizadoras no âmbito do poder executivo na questão das outorgas e renovação de outorgas de emissoras de rádio e TV.

Novos decretos, poucas mudanças

Os decretos de número
52.026 e, posteriormente, o de 52.795, ambos de 1963, regulamentam os serviços de radiodifusão e confirmam alguns itens já validados pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, como a competência exclusiva da União em dispor sobre a radiodifusão, a finalidade educativa e cultural dos serviços outorgados, ainda que em caráter comercial; os aptos a explorar os serviços de rádio e televisão; a outorga de radiodifusão por meio de concessão ou permissão; e os prazos de funcionamento das outorgas (10 anos para os serviços de radiodifusão sonora – rádio - e 15 anos para os de radiodifusão de sons e imagens - televisão), entre outros. No entanto, novos decretos foram publicados e promoveram diversas alterações no decreto-lei 52.795, a exemplo dos decretos de número 1.720, de 1995, e 2.108, de 1996.

Já no período da ditadura militar, surge o
Decreto-Lei nº. 236, de 1967, que promoveu alterações no âmbito da radiodifusão, concentrou ainda mais a função de deliberar sobre as outorgas nas mãos do poder executivo federal. Além disso, o decreto-lei inseriu artigos ao CBT que reforçam o caráter nacional da radiodifusão e ratificam a não-execução dos serviços de rádio e televisão por estrangeiros e por pessoas jurídicas; determinam condições econômicas e financeiras às entidades interessadas em explorar o serviço; estabelecem limites nacionais, regionais e locais de propriedade às entidades para permitir a concessão de serviços de radiodifusão; e condicionam a renovação da outorga de radiodifusão ao cumprimento de critérios educativos e culturais e outras obrigações legais, entre outros artigos.

A mídia na Constituição Federal

Após tantas leis e decretos que praticamente se repetem , um dos momentos na história da legislação sobre as concessões de rádio e TV no Brasil que proporcionou algumas mudanças importantes, porém nada radicais para o sistema de comunicação em vigor, foi a Constituição Federal de 1988, a partir do Capítulo V, dedicado à Comunicação Social. Além de confirmar responsabilidades educativas e culturais aos meios de comunicação e também a competência da União Federal nas decisões das outorgas e renovações de outorgas de radiodifusão, trouxe importantes mudanças no que se refere às concessões de radiodifusão.

A Constituição determinou que o Executivo dividisse a competência de deliberar sobre as outorgas e renovações de concessão, permissão e autorização com o Congresso Nacional, poder este que até então concentrava todas as decisões a respeito das outorgas de emissoras de rádio e televisão. O Poder Legislativo Federal ficaria a cargo de apreciar os atos de outorga e renovação de outorga de concessão vindos do Poder Executivo, assim como o de decidir a respeito da não-renovação de uma concessão com o mínimo de dois quintos de quorum em votação nominal.

Ou seja, o Governo Federal, a partir do que diz a Constituição, só pode outorgar e renovar concessões, permissões ou autorizações de serviços de radiodifusão com o veredicto do Congresso Nacional. A partir disso, criou-se uma expectativa de que o assunto, antes limitado aos muros do Governo Federal, estaria mais próximo da sociedade e mais suscetível ao debate.
Entretanto, artigos já publicados neste blog mostram o contrário. Políticos controlam ilegalmente emissoras de rádio e TV e vão de encontro ao que diz a Constituição Federal, e ainda se aproveitam do poder que lhes foi dado para manter seus interesses, o que, neste caso, significa aprovar e renovar suas próprias concessões de radiodifusão.
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A abertura ao capital privado e internacional
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Em 1997, entra em vigor a Lei nº. 9.472, conhecida como a Lei Geral das Telecomunicações (LGT), que marcou a privatização do setor de telecomunicações (telefonia) no Brasil. No âmbito da radiodifusão, a LGT dispõe sobre a destinação e o uso racional e econômico do espectro de radiofreqüência, e ainda vincula a autorização para a exploração desse espaço às concessões ou permissões dos serviços de radiodifusão.
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O capítulo da Comunicação Social ainda sofreu outras modificações relevantes no âmbito das concessões ou permissões de outorgas de radiodifusão, no que se refere à propriedade das empresas de rádio e televisão. A Emenda Nº 36 de 2002, que altera o artigo 222 da Constituição, permite a participação de pessoas jurídicas (empresas) na propriedade de emissoras de radiodifusão e empresas jornalísticas.

Outra importante mudança refere-se à
Lei nº. 10.610, de 2002, que permite de maneira indireta e no máximo 30% a participação estrangeira no capital das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora de sons e imagens, e ainda altera artigos do CBT e do Decreto-Lei nº. 236 quanto à observação de critérios e requisitos para outorga e renovação de concessão e permissão para exploração dos serviços de radiodifusão. Essa foi uma importante conquista da grande mídia privada, concentrada e entreguista, a qual atravessou um período de crise financeira naquele ano. Os barões da comunicação brasileira recorreram até mesmo ao governo federal nos anos seguintes para aliviar dívidas bilionárias de seus conglomerados midiáticos, a exemplo das Organizações Globo, controlada pelos Marinho.

Sociedade propõe políticas e nova legislação

Hoje, diante desse quadro que se desenhou ao longo de décadas e de aparência imutável, entidades da sociedade civil organizada e movimentos sociais diversos concentram suas forças para a realização de uma Conferência Nacional de Comunicação de caráter amplo, democrático e plural, precedido por etapas locais e regionais, permitindo que os mais diversos setores da população possam participar. Essa conferência pretende discutir e estabelecer um novo marco regulatório, ou seja, uma nova legislação para os meios de comunicação no Brasil, além de políticas públicas para o setor com a participação do poder público (Governo Federal e Congresso Nacional) e da sociedade. Mas este é um assunto para outro artigo!

Até a próxima!

sábado, 10 de maio de 2008

Quem é o dono? Emissoras de rádio e TV são concessões de serviço público, e não bens privados!

O que há em comum entre Globo, Record, SBT, Band, Rede TV!, TV Cultura e outras centenas de emissoras afiliadas e não-afiliadas a essas redes de televisão espalhadas pelo Brasil? Todas elas são concessões públicas, ou seja, pertencem ao conjunto da sociedade brasileira e não a grupos políticos, religiosos ou econômicos como aparenta ser.

A legislação que “organiza” a mídia no Brasil, especificamente o rádio e a TV, incluindo a Constituição Federal de 1988, determinam que tais meios de comunicação sejam distribuídos e explorados pela própria União ou transferidos a terceiros (entidades de direito público ou privado, Estados, Municípios, Universidades, entre outras) por intermédio de concessão pública. É um tipo de autorização atribuída ao Governo Federal aos que desejam explorar os serviços de radiodifusão. Tal serviço consiste nas transmissões de programação de rádio e televisão, utilizando um espaço público e limitado chamado espectro de radiofrequência, onde circulam os sinais de rádio e TV que todos recebem em casa.

Até a aprovação da atual Constituição brasileira, em 1988, cabia apenas ao Poder Executivo Federal a outorga de concessão para serviços de rádio e televisão. Hoje, a Constituição divide essa tarefa - antes exclusiva ao presidente da República - com o Congresso Nacional (Senado Federal e Câmara dos Deputados).

A Constituição Federal e o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT) (ver Consulte as Leis neste blog), que vigora desde 1962, determinam que o tempo concedido pelo poder público para se explorar uma concessão de TV é de 15 anos, com possibilidades de renovação por igual período. Entretanto, para que haja renovação da outorga, as emissoras devem obedecer a propósitos legais e constitucionais durante o uso da concessão, como privilegiar a educação, a cultura nacional e regional, a informação no conteúdo das programações, não formar monopólio ou oligopólio de propriedade, entre outras metas de cunho moral, financeiro e fiscal.

Mas tais obrigações jamais foram motivo de preocupação na hora de outorgar ou renovar uma concessão pública para o serviço de TV no Brasil, tanto por parte do poder concedente (Governo Federal e Congresso Nacional) quanto pelas empresas de comunicação que recebem as concessões (ou alguém tem notícia de que uma grande rede de TV já teve sua concessão questionada ou negada pelas autoridades federais?).

No caso de estações de rádio, o tempo para se fazer uso da concessão de uma emissora (seja ela comunitária ou comercial) é de 10 anos, podendo ser renovada por mais 10 anos, com a contrapartida de respeitar os critérios de levar ao ar uma programação de qualidade, voltada para um conteúdo educativo, cultural e informativo, como manda a Constituição Federal e as leis da comunicação. No entanto, assim como acontece às emissoras de TV, o dever de casa não é cumprido nem de um lado nem de outro, mas as renovações das outorgas acontecem à revelia de princípios legais e constitucionais.

Prazos que terminam, regras desrespeitadas

E o que de fato acontece com as emissoras de rádio e televisão quando suas licenças de funcionamento ultrapassam o prazo de validade? Esse é o X da questão, pois nada acontece! Dezenas ou mesmo centenas de emissoras de rádio TV espalhadas pelo Brasil, muitas delas ligadas às grandes redes de comunicação citadas neste artigo, funcionam de maneira irregular e precária na prestação do serviço de radiodifusão, pois contam com a "ajuda" de uma legislação fraca, atrasada (do tempo da ditadura militar) e cheia de falhas e brechas. Tal realidade permite que essas emissoras transmitam suas programações sem prestar contas ao poder público e muito menos ao povo.

Há vários casos de empresas de rádio e televisão que extrapolaram a validade das suas concessões em quase duas vezes o prazo permitido pelas leis e a Constituição (ou seja, quase 20 ou 30 anos), e mesmo assim continuam funcionando. É por isso que as concessões de um serviço público como o de rádio e TV acabam se tornando propriedades privadas daqueles que hoje aparecem como seus "donos". Isso porque, em momento algum, as outorgas são questionadas pelo poder concedente, e a sociedade desconhece o processo e os critérios exigidos para concessão e renovação dos serviços.

A renovação, geralmente, ocorre de forma automática, desrespeitando normas constitucionais, que exigem a avaliação de critérios e a aprovação do Congresso Nacional para que as concessões sejam renovadas legalmente. Isso acontece porque há contradições na própria lei da comunicação, a qual permite a continuidade do serviço de rádio e TV caso o poder concedente (Congresso e Governo Federal) não forneça uma resposta às empresas antes do vencimento da outorga. Ou seja, mesmo que a emissora tenha ultrapassado em muitos anos o prazo da concessão, ela continua no ar.

Outra falha que precisa ser suprimida é um dispositivo constitucional que só permite a cassação, isto é, o cancelamento da concessão de um canal de rádio ou TV por ação judicial. Ou seja, ainda que as empresas de comunicação cometam erros gravíssimos durante a vigência de suas concessões, nem as autoridades nem a sociedade dispõem de instrumentos legais para coibir tais erros. A não ser aguardar o término do prazo da outorga, para que dois quintos do Congresso, em votação nominal, cancele a concessão e não renove a outorga do serviço. É o que determina a Constituição Federal.

Todavia, conforme mostrado em artigo anterior neste blog, tal opção é algo praticamente impossível de acontecer, já que dezenas de deputados federais e senadores controlam canais de rádio e televisão em todo o país. Sem contar que boa parte desses veículos possui vínculos com as maiores redes de comunicação, isto é, são afiliadas a uma das cinco grandes redes de TV nacionais.
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Qualquer cidadão pode (e deve) acompanhar a validade das concessões de todas as emissoras de rádio e televisão do Brasil autorizadas a funcionar, e ainda saber detalhes de quem as controla. É só acessar o Sistema de Controle de Radiodifusão da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).

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Os caminhos para a concessão

Os processos com pedidos de concessão ou renovação iniciam sua longa jornada, a qual pode durar anos, no Ministério das Comunicações. Em seguida, os processos vão para a Presidência da República (Casa Civil/Secretaria de Relações Institucionais).

De lá, seguem para o Congresso Nacional, onde serão apreciados primeiro pela Câmara dos Deputados, onde passam pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) e, sem seguida, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) por duas vezes. A próxima etapa é o Senado Federal, onde os projetos de decreto legislativo, isto é, os processos de concessão ou permissão, passam pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCTICI). Por último, é assinado um decreto legislativo pelo presidente do Congresso Nacional e, posteriormente, é encaminhado à Casa Civil e publicado o ato de outorga no Diário Oficial da União.

A tramitação dos pedidos de concessão para emissoras comerciais (de rádio ou TV) são burocráticos e demorados, principalmente os de rádios comunitárias. Esse tipo de serviço de radiodifusão é o que mais sofre com a morosidade durante o processo de outorga ou renovação. Um padrinho político se faz indispensável quase sempre durante a tramitação dos pedidos de autorização. Segundo estudos da Câmara dos Deputados e pesquisas recentes, a influência política de um parlamentar torna menos doloroso o caminho em direção à concessão para uma emissora comunitária.

Emissoras com outorgas vencidas

Segundo dados do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Ministério das Comunicações, em 2007 (
clique aqui e veja os dados) eram pelo menos 173 emissoras de TV com suas outorgas de funcionamento ultrapassadas em todo o Brasil. Ou seja, estavam com suas concessões vencidas ou venceriam naquele ano, incluindo as grandes redes de TV (Globo, Band, Record, Cultura e SBT). Sem contar 80 rádios em FM e 73 em AM que já estavam com prazos de concessão expirados ou que venceriam em 2007.

Neste ano de 2008, o FNDC informa (
clique aqui e acesse a lista) que são 146 concessões de serviços de radiodifusão – duas emissoras de TV, 78 rádios OM e 66 FM - que findam ou ainda vão encerrar seus prazos de outorgas.

Monopólio privado da mídia é o único beneficiado

Tanto as outorgas quanto as renovações de outorgas de concessões de rádio e TV são feitas praticamente no escuro, longe dos olhos da população e desrespeitando o interesse público, princípio absoluto e que deveria ser seguido no ato da concessão ou renovação. Por outro lado, apenas interesses políticos e econômicos de alguns empresários da mídia são os que prevalecem do início ao fim do processo.

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E isso é o que acontece com grupos políticos, religiosos e famílias que mandam e desmandam na mídia do país: Marinho (Globo), Saad (Bandeirantes), bispo Edir Macedo/Igreja Universal (Record), Abravanel/Silvio Santos (SBT) e Civita (Editora Abril) que controlam seus canais de TV e de rádio como se fossem propriedades particulares e concentram um imenso poder em suas mãos por conta do uso político e ideológico que todos fazem desses meios de comunicação.

Como se percebe, as concessões públicas de rádio e TV no Brasil sustentam uma poderosa "máfia" privada de mídia, em que apenas cinco grandes redes de televisão (Globo, SBT, Record, Band e Rede TV!) e suas afiliadas em todo o país concentram a maior parte do conteúdo a que milhões de brasileiros têm acesso diariamente. Esse é o sistema que ainda impera na comunicação brasileira graças a uma legislação anacrônica e desbotada pelo tempo, e que permite um modelo de concessões de radiodifusão desigual e injusto.

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Concessões de Rádio e TV em debate

O ano de 2007 foi marcado por importantes debates organizados por entidades da sociedade civil que lutam pela democratização da mídia - como o Coletivo Intervozes de Comunicação Social, que criou a Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV. Entre os objetivos da campanha, estão: a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação para a construção de políticas públicas e de uma nova legislação para as comunicações; o fim da renovação automática das outorgas; ações contra irregularidades no uso das concessões, como excesso de publicidade (o máximo é 25% da programação de TV), emissoras de rádio e TV em posse de políticos (não permitido pela Constituição Federal) e outorgas vencidas por vários anos e que ainda funcionam; instalação de uma comissão pública que acompanhe todo o processo de outorga e renovação das concessões, entre outras ações.

Outra ação relevante foi idealizada no Congresso Nacional, onde a Câmara dos Deputados implantou uma subcomissão para discutir mudanças nas regras de apreciação dos processos de outorgas e renovação de outorgas de concessões de radiodifusão. O objetivo também é tornar transparente, ágil e de conhecimento de toda a sociedade os caminhos e critérios de um pedido de concessão ou renovação para serviços de rádio e TV. Foram feitos dois relatórios (
parcial e final) ao longo de 2007, sendo que o documento final contendo várias propostas de mudanças na Constituição e nas leis da mídia está em discussão numa comissão específica do assunto (Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática – CCTCI).

Conhecer essas informações é condição essencial se quisermos transformar a realidade antidemocrática e autoritária dos meios de comunicação no Brasil para uma face transparente e plural. Uma nova legislação para a mídia, organizada e discutida com toda a sociedade, com o objetivo de valorizar a educação, a informação de qualidade e a cultura nacional, e que acabe com a farra de ilegalidades no modelo de concessões é indispensável e necessária para construirmos um país mais justo, sem preconceitos, igual para todos e onde todo o povo, sem exceção, possa ter direito a voz, seja no rádio ou na televisão!

O assunto não se esgota neste artigo. Leia mais e conheça melhor a mídia que temos e a mídia que queremos:

Revista Concessões de Rádio e TV – Onde a Democracia ainda não chegou

Relatório Parcial sobre as concessões e renovações de rádio e TV

Segundo Relatório Parcial sobre as concessões e renovações de rádio e TV

Relatório Final sobre as concessões e renovações de rádio e TV

Até a próxima!

sexta-feira, 2 de maio de 2008

TV Brasil: Conceitos, objetivos e contradições da nova emissora pública de televisão

TV Brasil: Você escolhe, você programa, você assiste. Esse é o slogan da nova rede de televisão pública, criada pelo Governo Federal nos últimos dias com a sanção da Lei 11.652/08, que institui a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), incluindo a TV Brasil. Contudo, é indispensável narrar aqui os caminhos percorridos até a sua aprovação e conhecer mais profundamente o que é, o que pretende ser e o que a sociedade tem a ver com a nova rede pública de comunicação gerada pelo governo Lula.

Tudo começou pela Medida Provisória 398, editada pelo Governo Federal em 2007, que determinou a fusão das estatais Radiobrás e TVE Brasil do Rio de Janeiro para a implantação de uma nova rede pública de comunicação. Em meio a críticas quanto à sua validade constitucional feitas pela oposição (DEM em PSDB), a MP que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a TV Brasil tomou o rumo da Câmara dos Deputados, onde sofreu algumas modificações em seu texto.

Após ser objeto de discussão e, em seguida, aprovada com alterações, a MP 398/07 seguiu para o Senado Federal. Lá, quando muitos previam uma votação complicada por conta de uma forte oposição ao governo, a Medida Provisória que institui a rede pública de comunicação se transformou na lei 11.652/08 e foi ratificada sem quaisquer alterações pelos senadores. O governo, então, sancionou a lei que cria oficialmente a TV Brasil e estabelece suas diretrizes e princípios de funcionamento.

A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) é subordinada à Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal, liderada pelo ministro Franklin Martins. A EBC agrega cinco emissoras de rádio, uma agência de notícias na internet (Agência Brasil), três emissoras de televisão (TV NBr, TV Brasil e TV Nacional), e dois programas de rádio (Café com o Presidente e A Voz do Brasil). A empresa tem sede em Brasília, mas o centro de produção localiza-se no Rio de Janeiro.


Fontes de recursos

Com a clara e correta preocupação de manter a independência editorial e de programação frente ao governo federal, a Empresa Brasil de Comunicação terá fontes diversas de recursos, entre elas as oriundas do orçamento da União, doações de pessoas físicas ou jurídicas, da prestação de serviços de comunicação, de patrocínio ou apoio cultural de entidades públicas ou privadas, do licenciamento de marcas e produtos da empresa, do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) referente a 10% do valor pago pelas empresas de comunicação (teles e radiodifusoras), da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (com 75% dos recursos vinculados à EBC), da publicidade institucional de entidades públicas ou privadas, da publicidade legal de órgãos da administração federal, entre outras fontes de financiamento.

Produções regionais e independentes

A intenção do governo é erguer uma rede pública nacional de televisão a partir de convênios com Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas que prestam serviços de radiodifusão (rádio e TV). É válido destacar a importância de não se repetir o formato desigual e ilegal do sistema de televisão que impera no Brasil.

No atual sistema, as grandes emissoras de TV, por meio de suas cabeças-de-rede (geradoras de programação nacional) mantêm subordinadas às suas programações centenas de afiliadas. São emissoras que dão pouco espaço a produções de suas próprias regiões e reproduzem quase todo o conteúdo elaborado pelas grandes redes de Rio e São Paulo.

Para a programação regional e independente que serão inseridas na TV Pública foi reservado um tempo mínimo de 10% e 5%, respectivamente. Tais programas deverão ser exibidos no período entre as 6 e as 24 horas. A lei 11.652/08 garante que todas as regiões do país terão espaço para mostrar ao Brasil sua diversidade cultural. Com relação às produções independentes, a exigência é que as produtoras não tenham qualquer vínculo com emissoras de radiodifusão.

Tudo isso representa um salto importante, se considerarmos o espaço ínfimo que é destinado ao conteúdo regional nas grandes redes de TV comerciais. Sem contar a produção independente, com espaço quase nulo nas grades de programação das emissoras privadas, que veiculam apenas produções próprias, quando não raro exibem uma série de enlatados importados.

Restrição à publicidade comercial

A publicidade de produtos e serviços na programação da TV Brasil está proibida. A exceção ficou por conta da publicidade institucional e do chamado apoio cultural. A publicidade de cunho institucional, antes resumida à vinculação em programas de utilidade pública de empresas, foi liberada para entidades de direito público ou privado e devem ocupar o tempo máximo de 15% da programação.

Quanto ao conceito de apoio cultural, motivo de muitas queixas por parte da oposição e dos empresários de radiodifusão (rádio e TV) após a publicação da MP 398 em 2007, estes com medo de perder publicidade, ficou definido como sendo o pagamento dos custos de determinados programas ou de toda a programação, e sua inserção se dará por meio da citação das entidades apoiadoras, bem como de suas ações de caráter institucional.

Veto do Presidente

Cedendo à pressão dos barões da mídia, especialmente da Rede Globo – representada pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) – o presidente Lula vetou um artigo que incomodava diretamente os interesses econômicos das grandes redes TV. A lei que cria a TV Brasil, antes do veto, determinava que os direitos das transmissões de eventos esportivos internacionais, adquiridos pelas TVs comerciais, nos quais o Brasil teria competidores - como Olimpíadas, Copa do Mundo, Pan-Americano, entre outros – seriam cedidos para a TV pública. Essa possibilidade se daria mediante a não transmissão de alguns jogos pelas emissoras detentoras dos direitos de exibição.

Ou seja, as tevês comerciais não ficariam impedidas de transmitir as competições cujos direitos elas compraram, mas sim teriam apenas que liberar à TV Brasil o direito de oferecer ao público a oportunidade de assistir aos eventos não levados ao ar pelas grandes redes de televisão. O que é comum acontecer quando alguma competição não se encaixa na grade programação de emissoras como a Globo, por exemplo.

Para deixar mais claro, nem todas as modalidades esportivas durante os jogos olímpicos encontram espaço nas transmissões das tevês privadas, as quais privilegiam apenas esportes populares (futebol, vôlei, basquete etc.). Logo, mesmo sendo parte do pacote comprado por essas emissoras, modalidades pouco conhecidas do grande público não são transmitidas. É nesse ponto que entra o artigo vetado da lei 11.652/08.

Em síntese, seria uma boa oportunidade de se quebrar o monopólio de transmissão de grandes eventos atualmente nas mãos da Rede Globo. E quem mais saiu perdendo fomos nós, telespectadores, reféns do autoritarismo dos “donos da mídia” e da subserviência do poder público.

A missão da nova TV Pública

Os princípios e objetivos a serem buscados pela nova rede pública de comunicação não representam novidade alguma, uma vez que já constam da Constituição Federal obrigações semelhantes a serem obedecidas (mas não são!) por todo e qualquer meio de comunicação (privado ou público) no Brasil. Entretanto, vale citá-los neste artigo.

A nova TV Pública deve garantir: a pluralidade de conteúdo e de fontes de produção; o acesso do cidadão à informação plural para sua formação crítica; a promoção da cultura regional em toda a sua diversidade e o incentivo à produção independente; programação voltada para a educação, a cultura, e a informação de interesse público; a participação da sociedade civil, em seus diversos segmentos, na gestão e na programação; autonomia frente ao governo para definir produção, programação e distribuição do conteúdo na rede pública; o fortalecimento da democracia e a formação do cidadão, entre outros princípios e objetivos.

Resumindo, num contexto em que as emissoras comerciais ocupam todos os espaços da sociedade, produzindo e transmitindo quase tudo o que os brasileiros vêem, o nascimento da TV Brasil pode provocar futuramente um abalo nessa hegemonia e conquistar uma audiência cativa, mas sem renunciar aos seus princípios de oferecer uma programação diferenciada e de qualidade.

O Conselho Curador e a sociedade

Como em toda hierarquia de uma empresa, pública ou privada, a EBC tem seu presidente e seus diretores. No entanto, o ponto relevante neste caso é o funcionamento de um Conselho Curador, espaço este que tem a nobre e difícil missão de representar os interesses de toda a sociedade na nova rede pública de comunicação, além de fiscalizar e zelar pelo cumprimento dos princípios da TV pública.

O Conselho é composto de 22 membros, sendo 15 deles (
clique aqui para conhecê-los) na função de porta-vozes da população e o restante formado por ministros de Estado, um em nome dos funcionários da EBC, um indicado pela Câmara dos Deputados e outro escolhido pelo Senado Federal. Os representantes da sociedade e os indicados pelo Congresso Nacional terão um mandado de quatro anos, renovável uma única vez. Já o que representa os funcionários terá um mandado de apenas dois anos, sem direito à renovação.

A questão polêmica e geradora de muitas dúvidas reside na forma como são escolhidos os representantes da sociedade civil para compor o Conselho Curador da EBC. É tarefa do presidente da República escolher e nomear os membros do Conselho, inclusive os que vão representar o povo, segundo critérios de diversidade cultural e pluralidade de profissões, além de que pelo menos cada uma das cinco regiões brasileiras deve ser representada por um dos conselheiros.

A lei 11.652/08, que cria a EBC e a TV Brasil, estabelece total autonomia da produção, programação e distribuição do conteúdo produzido pela empresa em relação ao Governo Federal. Ou seja, não se pode deixar de cogitar o risco de que esta independência, enfatizada pela lei, possa ser prejudicada em razão do poder que o presidente tem em mãos para escolher os membros que “são a sociedade” na rede pública de televisão. Sobre a questão, a lei que cria a TV pública determina que o Conselho Curador organize uma consulta pública nos processos futuros de renovações em sua composição.

A maior crítica, talvez, que tenha sido direcionada ao Conselho Curador refere-se à falta de mecanismos que permitam a participação direta e constante da sociedade na gestão e no controle da programação da TV pública. Sabe-se, por enquanto, que haverá duas audiências públicas a cada semestre, porém com participação restrita a entidades organizadas ligadas ao campo da comunicação e da cultura. Por enquanto, um dos únicos espaços ao alcance do público está na página da TV Brasil na internet (
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Além do Conselho Curador, um outro espaço de acompanhamento e análise da programação da nova TV pública foi criado. A EBC vai contar com uma Ouvidoria, cuja atribuição é fazer críticas internas à programação da TV Brasil e analisar as opiniões recebidas dos telespectadores. O ouvidor vai comandar um programa, com duração de 15 minutos, onde vai tornar públicas suas avaliações a respeito do conteúdo exibido pela rede pública de televisão.

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O fato é que a TV Brasil necessita o mais breve possível tornar realidade formas democráticas e eficazes de participação de toda a sociedade na nova emissora. Isso significa ir além dos limites e atribuições do Conselho Curador, da Ouvidoria e das audiências públicas, ainda que tais mecanismos sejam indispensáveis. Só assim o Brasil terá, de fato, uma rede de televisão verdadeiramente PÚBLICA e de todos os brasileiros. Por fim, que a nova TV pública não seja apenas fruto de um momento político, mas que faça parte de uma política pública de comunicação de Estado democrática, perene e de longo prazo. Vida longa à TV Brasil. Assistam e participem!

Até a próxima!