Mesmo fazendo uma leitura cuidadosa e sem pressa, a impressão que fica do Projeto de Lei 89/03, que recebeu substitutivo do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), é de que a liberdade de comunicação pela Internet está realmente ameaçada. O PL altera o Código Penal e outras leis ao tipificar condutas praticadas por meios eletrônicos, digitais e similares.
Pontos polêmicos do projeto
Dentre os artigos que mais chamam a atenção é o 285-B, que se refere à obtenção, transferência ou fornecimento não autorizado de dados ou informações:
Art. 285-B. Obter ou transferir, sem autorização ou em desconformidade com autorização do legítimo titular da rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, protegidos por expressa restrição de acesso, dado ou informação neles disponível:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
Parágrafo único. Se o dado ou informação obtida desautorizadamente é fornecida a terceiros, a pena é aumentada de um terço.
Pelo seu caráter amplo e desprovido de maiores especificações, o artigo acima conduz qualquer pessoa a pensar que o simples, e mais ainda comum, ato de acessar um sítio na Internet, obter informações contidas nele e, depois, transferi-las aos seus contatos da grande rede, se tornará crime. Ninguém pede autorização ao autor das informações ou dados postados na rede para capturá-los e transferi-los.
Se for assim, caso o PL 89/03 se torne lei, todos os internautas podem se considerar criminosos. Afinal, se não for para obter e compartilhar informações de forma livre e aberta, para que serve então a Internet?
Num bate-papo on line realizado no dia 25 de junho pela Agência Câmara de Notícias (clique aqui para ter acesso), o deputado tucano Julio Semeghini, que é relator do Projeto de Lei na Câmara, respondeu as perguntas de 118 participantes.
Questionado inúmeras vezes se o projeto visa criminalizar quem faz downloads de músicas e filmes e depois os transfere para outros internautas, o parlamentar garantiu que não é essa a intenção da proposta: “O projeto trata das informações que estão protegidas e devidamente identificadas como não autorizadas em sistemas informatizadas”. Segundo ele, nosso hábito de baixar e distribuir músicas, filmes e outros dados pela Internet não se enquadra como crime.
Julio Semeghini argumentou ainda que o projeto apenas cria mecanismos legais para dar segurança aos computadores e à rede a fim de protegê-los contra a disseminação de vírus e os ataques de hackers. O deputado teve que responder várias vezes que o projeto está recebendo modificações em seu conteúdo para eliminar o aspecto amplo que carrega o PL 89/03 (ou PL 84/99).
O projeto que combate os cibercrimes trata ainda da inserção ou difusão de “códigos maliciosos”, isto é, os famosos vírus. É o artigo 163-A que versa sobre isso:
Art. 163-A. Inserir ou difundir código malicioso em dispositivo de comunicação, rede de computadores, ou sistema informatizado:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
§ 1º Se do crime resulta destruição, inutilização, deterioração, alteração, dificultação do funcionamento, ou funcionamento desautorizado pelo legítimo titular, de dispositivo de comunicação, de rede de computadores, ou de sistema informatizado:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 2º Se o agente se vale de nome falso ou da utilização de identidade de terceiros para a prática do crime, a pena é aumentada de sexta parte.
Neste item, a interpretação ampla e dúbia se faz novamente presente. Cabe aqui uma pergunta: E se um internauta que tiver seu computador infectado por vírus, involuntariamente, enviar um arquivo contaminado para outra pessoa? Ele será penalizado por isso? A proposta, do jeito que está formulada, nem diz que sim, nem que diz que não! No bate-papo, Semeghini disse que passar vírus para outros computadores sem a intenção de fazê-lo não será considerado crime, mas a proposta, como já foi dito, não deixa isso claro.
Um dos pontos de maior discussão da proposição que tipifica crimes praticados na rede mundial de computadores refere-se ao poder que será dado aos provedores de acesso à Internet. Pelo projeto de lei atual, os provedores serão obrigados a guardar, de maneira segura e sigilosa, todas as informações dos internautas referentes ao endereço da origem, hora e data das conexões efetuadas na Internet.
É o que expressa o artigo 22, que também permite aos provedores denunciarem às autoridades indícios de práticas de crimes na grande rede, como também informarem acerca de denúncias recebidas:
Art. 22. O responsável pelo provimento de acesso a rede de computadores mundial, comercial ou do setor público é obrigado a:
I – manter em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 3 (três) anos, com o objetivo de provimento de investigação pública formalizada, os dados de endereçamento eletrônico da origem, hora, data e a referência GMT da conexão efetuada por meio de rede de computadores e fornecê-los exclusivamente à autoridade investigatória mediante prévia requisição judicial;
II – preservar imediatamente, após requisição judicial, outras informações requisitadas em curso de investigação, respondendo civil e penalmente pela sua absoluta confidencialidade e inviolabilidade;
III – informar, de maneira sigilosa, à autoridade competente, denúncia que tenha recebido e que contenha indícios da prática de crime sujeito a acionamento penal público incondicionado, cuja perpetração haja ocorrido no âmbito da rede de computadores sob sua responsabilidade.
Tal artigo gerou enorme polêmica, tanto que o deputado Julio Semeghini afirmou que a atribuição de denunciar casos suspeitos ou denúncias recebidas, então concedida aos provedores, será reprimida do projeto de lei. Neste quesito, a perda de privacidade foi a maior preocupação dos participantes do bate-papo, hipótese descartada pelo relator da proposta, que afirma que os provedores não terão acesso a teor dos conteúdos acessados pelos internautas.
Disciplina para a radiodifusão, não para a Internet!
Neste momento, enquanto se discutem formas de combater crimes pela Internet, com riscos claros de cerceio ao seu uso, canais de rádio e TV - que são concessões públicas - estão praticando inúmeros crimes contra o cidadão e ferindo princípios constitucionais, do Estatuto da Criança e do Adolescente e de tantas outras leis da comunicação. Cenas de violência (inclusive com armas de fogo) são exibidas em desenhos animados e seriados; os reality shows (exibidos apenas à noite) são vendidos ao longo de todo o dia, com imagens que banalizam o sexo e o erotismo aos mais jovens etc.
Tudo isso, que chega de forma aberta e livre aos nossos lares, é feito em espaços públicos que deveriam veicular cultura, informação de qualidade e educação. Por que o Congresso Nacional não encara essas questões com as empresas de mídia, que privatizaram as concessões para atender os próprios interesses, e com a sociedade, a maior vítima desse cenário, para mudar a realidade da radiodifusão? Por que a tentativa de regular a Internet não gera reações conservadoras dos “donos da mídia” na mesma medida de quando o alvo é o sistema de rádio e televisão?
Meio de comunicação livre e de potencial democrático
Qualquer legislação que venha a disciplinar a Internet deve considerá-la um meio de comunicação livre e democrático, que permite a qualquer cidadão acessar e produzir conhecimento nos mais diferentes formatos e, acima de tudo, compartilhá-los sem restrições. É na Internet que o processo de comunicação abandona hierarquias obsoletas, a exemplo da velha relação emissor-receptor.
Na Internet, todos passaram a ser emissores, produtores de conteúdo em tempo real. Não se pode atribuir à Internet a responsabilidade pela violência em todas as suas formas e práticas! Acredito que qualquer regulação sobre a grande rede deve ser amplamente discutida na 1ª Conferência Nacional de Comunicação.
Até a próxima!
Nenhum comentário:
Postar um comentário