Em 2007, o Brasil inteiro pôde acompanhar a avalanche de denúncias que pairavam sobre o senador e então presidente do Senado Federal Renan Calheiros (PMDB-AL). Dentre elas, a acusação de que o parlamentar comprou ilegalmente, por intermédio de “laranjas” (falsos proprietários), emissoras de rádio em seu estado, Alagoas.
Mas qual a relação de Renan Calheiros com o assunto deste artigo? Simples: a prática do "coronelismo eletrônico", expressão criada por pesquisadores brasileiros. Em outras palavras, a presença de políticos no exercício de seu mandato no controle, direto ou indireto, de emissoras de rádio e televisão.
Contudo, bem ao contrário do que demonstrou a mídia privada nacional durante o caso do senador, o tema é mais corriqueiro do que se pode imaginar. O debate vai além das denúncias contra Renan Calheiros e nos remete obrigatoriamente a uma história política recente em que os meios de comunicação, em especial o rádio e a TV, tornaram-se objeto de barganha nos “porões” do Poder Executivo e do Congresso Nacional.
Poder político e meios de comunicação sempre andaram juntos. Na história recente do Brasil, emissoras de rádio e TV serviram, pelo menos até a Constituição Federal de 1988, como “moeda de troca” e mercadoria de alto valor político a fim de obter apoio ou atender a interesses de determinado grupo ocupante do Governo Federal. Esta instância de poder tinha a competência exclusiva de conceder e renovar licenças para o funcionamento de emissoras de radiodifusão.
Atualmente, continua sendo competência do Executivo Federal conceder autorizações para o funcionamento dos serviços de rádio e TV, porém a decisão final sobre o assunto cabe ao Congresso Nacional, que pode aprovar ou não as licenças e as renovações das emissoras.
Tal determinação está na Constituição brasileira, em seu artigo 223, parágrafo segundo e terceiro: “§ 2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal; § 3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após deliberação do Congresso Nacional (...)”.
Para muitos que atuavam pela democracia na mídia durante a constituinte, foi um passo importante, uma vez que aproximava a sociedade para a discussão em torno das concessões. No entanto, o “coronelismo eletrônico” se mostrou ainda mais forte e sutil, e continuou acobertado pelo Estado brasileiro.
Emissoras de Rádio e TV: moedas de troca entre políticos
Durante o governo da ditadura, alguns presidentes distribuíram centenas de canais de rádio e TV a aliados políticos do regime militar. Tal prática ilegal e imoral tornou-se comum também no governo de José Sarney, que buscava a todo custo a permanência por mais tempo à frente da Presidência da República.
Para tanto, no início do seu mandato, o então presidente (1985-1989) resolveu "comprar" parlamentares, e distribuiu exatamente 1.028 freqüências de rádio e TV, sendo que mais da metade foram para deputados federais e senadores que resolveram apoiá-lo, com o objetivo de conseguir a extensão de um ano em seu mandato presidencial.
Nesse período, muitas igrejas evangélicas também ganharam concessões (ou licenças) para explorarem os serviços de rádio e televisão. Essa prática do governo Sarney também foi uma marca do governo Fernando Henrique Cardoso, aumentando ainda mais o número de políticos que controlam rádios e TVs, inclusive as emissoras de caráter educativo.
Até mesmo no governo Lula, a troca de emissoras de radiodifusão por apoio político também é uma realidade preocupante. E agora as rádios comunitárias e as TVs educativas também passaram a servir de moeda de troca entre Governo Federal e parlamentares em todas as esferas de poder. É chamado “coronelismo eletrônico de novo tipo”, segundo estudos do professor e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Venício Arthur de Lima e do consultor legislativo da Câmara dos Deputados Cristiano Aguiar Lopes.
O coronelismo nas ondas do rádio e da TV pelo Brasil
Um estudo divulgado neste ano de 2008 pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) mostra dados preocupantes quanto ao “coronelismo eletrônico” em todo o país. São 271 políticos, em pleno exercício de seus mandatos, na condição de sócios e/ou diretores de 348 emissoras de rádio e TV. Desse total, pelo menos 147 são prefeitos (54,24%), 48 (17,71%) são deputados federais; 20 (7,38%) são senadores; 55 (20,3%) são deputados estaduais e um é governador, de acordo com matéria publicada pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
Tais números, porém, não abrangem a influência indireta, ou seja, por meio de “laranjas” e parentes, que alguns políticos exercem em diversas emissoras de radiodifusão espalhadas pelo Brasil. A pesquisa revela ainda que a região Nordeste brasileira concentra a maior parte dos políticos-proprietários de veículos de rádio e televisão. No que se refere aos partidos, as siglas de tendência conservadora, como DEM, PSDB, PMDB e PP abrigam o maior número de concessionários. Vamos aos números: 58 políticos pertencem ao DEM, 48 ao PMDB, 43 ao PSDB, 23 são do PP, 16 do PTB, 16 do PSB, 14 do PPS, 13 do PDT, 12 do PL e 10 do PT.
A maior surpresa ficou por conta do Partido dos Trabalhadores (PT) que, em pesquisas anteriores, não figurava nas listas dos partidos que abrigavam “coronéis eletrônicos”, ou apresentava números insignificantes se comparado a outros partidos políticos.
Um ato contra as leis e a Constituição
Segundo a legislação brasileira, aquele que detiver cargo político está proibido de manter contrato ou exercer cargos, função, ou emprego remunerado em empresas concessionárias de serviço público. Está na Constituição e nas leis que regem as comunicações. Nesse caso, estão incluídas as emissoras de rádio e televisão, que são bens públicos, distribuídos pelo Governo Federal e o Congresso Nacional, em benefício da sociedade, e não de grupos políticos.
O Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT), em vigor desde 1962, traz em seu artigo 38 (alterado pela Lei nº. 10.610, de 2002) os preceitos a serem respeitados no processo de concessão, permissão e autorização de serviços de rádio e TV e, em seu parágrafo único, também modificado pela mesma lei, determina que: "Não poderá exercer a função de diretor ou gerente de concessionária, permissionária ou autorizada de serviço de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial". (grifo meu)
A Constituição Federal, em seu artigo 54, chama atenção para o mesmo problema e restringe a presença de parlamentares em empresas de rádio e TV: "Os Deputados e Senadores não poderão: I- desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público (grifo meu), salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum", nas entidades constantes da alínea anterior; (...)".
Todavia, fazendo jus ao ditado popular que diz que “toda lei foi feita para ser burlada”, muitos políticos utilizam parentes e "laranjas" (falsos proprietários) como forma de despistar as leis e a sociedade sobre tais proibições.
Vale ressaltar que a prática do “coronelismo eletrônico” acontece também em setores decisivos para as comunicações na Câmara dos Deputados. É o caso da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), instância responsável pela deliberação das concessões de serviços de rádio e TV. Vários parlamentares que participam dessa comissão, de acordo com um relatório elaborado pelo Projor (Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo), em 2005, apresentam algum vínculo com veículos de radiodifusão em seus estados de origem.
Mas o que isso significa? Que esses deputados federais e senadores votam e aprovam a renovação de emissoras que lhes pertencem; além de decidirem quanto a projetos que os beneficiam diretamente, neste caso, a liberação de concessões para explorar serviços de rádio e TV. Mais um ato contra a Constituição, as normas regimentais do Congresso Nacional e, acima de tudo, contra o interesse público.
Todas as constatações apresentadas neste artigo nos levam a refletir sobre o quanto a prática do “coronelismo eletrônico” se mostra perigosa para a sociedade, além de representar uma ameaça à liberdade de opinião e de informação. Partindo dessa análise, fica evidente que parlamentares na condição de donos de estações de rádio e TV podem utilizá-las como verdadeiros “palanques eletrônicos” com o propósito de conquistar votos e atender a interesses eleitoreiros, mantendo-os “eternamente” no poder, além de impedir um debate plural e equilibrado de idéias.
Em síntese, podem manipular e distorcer, em benefício privado, as informações jornalísticas que recebemos diariamente pelos meios de comunicação controlados por eles e seus familiares. Possibilidade esta que se amplia e se torna mais evidente em períodos eleitorais.
Marcas modernas, práticas nem tanto
Por detrás de logomarcas arrojadas que imprimem modernidade, estão alguns dos nomes mais tradicionais e conservadores da política brasileira. Eles estão ligados direta ou indiretamente a verdadeiros "impérios regionais" de comuicação, que incluem emissoras de rádio e TV, além de jornais, portais de internet e empresas de marketing e eventos. Confira alguns senadores:
Senadores José Sarney (PMDB-AP) e Roseana Sarney (PMDB-MA) – Detentores diretos e por meio de parentes e familiares do Sistema Mirante de Comunicação: TV Mirante (afiliada a Rede Globo no estado do Maranhão), além de uma extensa rede de rádios AM e FM e o jornal O Estado do Maranhão.
Família do senador Antônio Carlos Magalhães (DEM-BA), o ACM (falecido) – Controla a Rede Bahia: TV Bahia (afiliada à Rede Globo no estado da Bahia), além de mais seis emissoras de TV e rádios AM e FM no estado da Bahia.
Senador Edison Lobão (DEM-MA) (atual ministro de Minas e Energia) – Controla direta e indiretamente, por meio de familiares e parentes, o Sistema Difusora de Comunicação: TV Difusora (afiliada ao SBT no Maranhão) e a rede de rádios Difusora AM e FM, entre outras emissoras espalhadas pelo Maranhão.
Senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) – Controla diretamente a empresa Rádio e TV Jangadeiro (TV afiliada ao SBT no estado do Ceará), além de ter familiares e parentes à frente de várias emissoras de rádio no interior do estado.
Senador Fernando Collor de Melo (PTB-AL) – Um dos controladores da TV Gazeta de Alagoas (afiliada à Rede Globo no estado) e da Rádio Gazeta, também de Alagoas.
Esses são apenas alguns dos “ícones” da cena política brasileira que possuem fortes ligações com emissoras de rádio e TV. Entre os senadores, ainda há outros nessa condição, como Garibaldi Alves Filho (PMDB-RN, presidente do Senado, TV Cabugi, afiliada à Globo), José Tenório (PSDB-AL), José Agripino (DEM-RN), José Maranhão (PMDB-PB), Flávio Arns (PT-PR), Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), Marcelo Crivella (PRB-RJ, TV Record de Franca), Wellington Salgado (PMDB-MG), entre outros.
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A Câmara dos Deputados também possui seus representantes na radiodifusão, dentre eles, alguns nomes conhecidos dos brasileiros: Sarney Filho (Sistema Mirante, afiliado à Globo no Maranhão), Inocêncio Oliveira (TV Asa Branca, afiliada à Globo em Pernambuco), Jader Barbalho (TV RBA, afiliada à Bandeirantes, ou Band, no Pará), Beto Mansur, Antônio Carlos Magalhães Neto (Rede Bahia, afiliada à Globo na Bahia), Henrique Alves (TV Cabugi, no Rio Grande do Norte), Antônio Carlos Bulhões (extinta Rede Mulher, atual Record News, pertencente à Record, em São Paulo), entre outras dezenas de parlamentares.
É interessante destacar o vínculo que tais “coronéis eletrônicos” estabelecem, através dos meios de comunicação que controlam em seus estados, com as grandes redes de televisão do país. Boa parte da informação que recebemos através da mídia dos “coronéis” é reproduzida em todo o Brasil por meio de grandes redes de televisão como Globo, Record, Band, SBT, Rede TV!. Por isso, é indispensável olharmos de forma crítica sobre que diz a TV, o rádio e os jornais todos os dias!
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Pesquise e saiba mais detalhes Nunca é demais lembrar que nossos parlamentares devem legislar e trabalhar para o bem comum da população, e não usar a condição de autoridade política para controlar emissoras de rádio e TV. Procure saber se seu representante político (deputado, senador, vereador, prefeito ou governador) é dirigente ou se está ligado ou não a algum veículo de comunicação.
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Cruze os dados de autoridades eleitas disponíveis em páginas de órgãos eleitorais estaduais ou dos poderes legislativos na internet (Câmara dos Deputados, Senado Federal, assembléias legislativas e câmaras de vereadores) com a relação de concessionários de radiodifusão publicada pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Ministério das Comunicações. Comprove você mesmo o uso abusivo de emissoras de rádio e TV – que são concessões públicas - por alguns políticos.
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Consulte outras importantes fontes publicadas nos últimos anos a respeito do assunto deste artigo:
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Até a próxima!
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