domingo, 28 de março de 2010

Diferentes, porém iguais: o discurso uniforme e a falta de diversidade na mídia comercial

Inúmeros críticos da mídia de massa tupiniquim já bateram na tecla repetidas vezes a respeito de um fenômeno que contaminou os meios de comunicação: a uniformidade do conteúdo produzido. Não importa o meio - se é rádio, televisão, jornal, revista, internet - ou o assunto – política, economia, esporte, saúde, meio ambiente, moda etc.


Das pautas escolhidas até a forma como elas são abordadas nos veículos comerciais, os assuntos apresentam mais semelhanças do que diferenças. O exemplo mais gritante e recente desse aspecto uniforme das notícias adotado pelos meios de informação – em especial os pertencentes aos grandes conglomerados de mídia nacionais – é o julgamento final do caso Isabela Nardoni.


Mesmo sem a menor intenção de procurar, quem de nós não se deparou nas últimas semanas com uma manchete referindo-se a esse caso? Seja num portal da web, numa banca de jornais, no consultório de seu dentista ou num salão de beleza, a notícia a cerca do destino que a justiça prepara para o casal envolvido na morte da menina está sempre por perto, ainda que usemos de todos os artifícios para evitá-la.


Não é minha intenção minimizar a gravidade desse fato, mas apenas refletir a respeito da carência de assuntos que vem assolando a dita "grande" mídia nos últimos tempos. Tempos estes de democracia, de liberdade de expressão e de imprensa, sem o autoritarismo do regime militar que silenciou o Brasil em vários momentos entre 1964 e 1985. Tempos aqueles que até receita de bolo virava notícia (o que incrivelmente acontece ainda hoje, e em veículos noticiosos de grande circulação!).


Se aquilo que violava a liberdade de opinião e de expressão já não existe mais há 25 anos, o que pode explicar a falta de pluralidade no conteúdo da mídia comercial nos dias de hoje?


O jornalista e estudioso da comunicação Bernardo Kucinski atribui tal fenômeno da uniformização do conteúdo ao pensamento neoliberal adotado pelas empresas de mídia. Eis um trecho de seu artigo intitulado Do discurso da ditadura à ditadura do discurso, do livro Jornalismo na era virtual: ensaios sobre o colapso da razão ética:


Nunca houve tanta falta de pluralismo na mídia brasileira como nos tempos atuais de hegemonia do neoliberalismo (...). Os jornais de referência nacional se tornaram tão parecidos que é comum confundir um com o outro nas bancas de revistas. Trazem as mesmas manchetes, as mesmas fotos dispostas da mesma forma, e os mesmos nomes de colunistas.


Neste pequeno trecho, Kucinski exemplifica a uniformização das informações por meio dos jornais. Todavia, é amplamente possível detectarmos o mesmo fenômeno na TV, no rádio e na internet também, este último a grande esperança de diversidade e criatividade da mídia neste século.


Na televisão, é impossível não lembrarmos dos programas de auditório. Mudam-se os apresentadores e as emissoras, mas o conteúdo paupérrimo em criatividade e rico em desrespeito aos direitos humanos e à sociedade é exatamente o mesmo. O telejornalismo nos forneceu bons exemplos nos últimos anos, como o Jornal da Record, que adotou sem pedir licença – tanto em termos estéticos como editoriais (sem contar repórteres e apresentadores) – o estilo de seu arqui-inimigo, o Jornal Nacional.


Já nas rádios, uma variedade imensa de estilos musicais fora do circuito comercial e dos olhare$ das grandes gravadoras permanecem num completo ostracismo, enquanto o pagode, o axé, o sertanejo universitário, o funk e o pop norte-americano reinam sem quaisquer ameaças.


Vai aí uma tarefa das mais fáceis: sintonize qualquer rádio popular ou "jovem" e conte quantas vezes artistas como Ivete Sangalo, Exalta Samba, Latino, Victor e Léo, Lady Gaga, Beyoncé, Black Eyed Peas, entre outros, foram executados pelas rádios. Ou ainda observe em quantas estações "diferentes" elas apareceram. O resultado parece óbvio, mas vale comprovar!


Na internet, grandes portais – cujos donos são os mesmos das redes de TV, de rádio, além de grandes jornais (Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil etc.) – repetem o discurso amplamente veiculado pelos veículos tradicionais. Não apenas neles, como também podemos encontrar conteúdos semelhantes aos que vemos na TV em portais de grande acesso e onde o conteúdo é publicado (ou postado, como preferirem) pelos próprios usuários, como o YouTube, onde a criatividade e a diversidade não é totalmente adotada por seus milhões de usuários. Lá, ao mesmo tempo em que temos acesso a conteúdos interessantes e alternativos, também temos acesso a resumos de novelas e reprises de outros programas populares da TV brasileira e mundial.


Além de Bernardo Kucinski, outros excelentes trabalhos refletem sobre o problema da uniformização do conteúdo da mídia, incluindo a influência dos profissionais da comunicação e da formação de grandes conglomerados nesse processo. Posso citar o livro A Tirania da Comunicação, de Ignácio Ramonet (diretor-presidente do Le Monde Diplomatique); Shorwnalismo, a notícia como espetáculo, de José Arbex Jr; Sobre a Televisão, de Pierre Bourdieu (um best-seller na França), entre outros.


Mas e os porquês de tanta mesmice jornalística (e artística) em plena democracia? Ora, nos livramos da ditadura militar, mas por outro lado mergulhamos numa outra ditadura, só que desta vez com feições mais econômicas, na qual a busca desmedida e sem escrúpulos pelo lucro e pela preferência do público (leia-se consumidor), ao invés de trazer variedade de conteúdos, os tornou cada vez mais iguais.


E numa época fértil de fusões entre empresas de mídia, com o mercado de comunicação ficando cada dia mais concentrado, a uniformização é fatal e implacável. Como se vê, não há diversidade e pluralidade no mundo que resista. O bom mesmo é ser igual! Que o diga o caso Isabela!


Se não mudamos nós, a mídia não muda!


Até a próxima!

Um comentário:

Unknown disse...

Passei um bom tempo com raiva dessa mesma uniformidade. Mas o público responde positivamente a isso. Não adianta, somos poucos os que conseguem ver um pouco mais além dessa muralha.
Quase apanhei, certa vez quando critiquei o julgamento sumário pela imprensa no caso Nardoni (não que eu estivesse defendendo os acusados) reclamei um pouquinho só do tom das matérias e citei um outro caso famoso. O caso da menina Eloá que, na minha opnião, foi morta pela imprensa que mostrava toda a movimentação da polícia para o bandido, deixando os guardas impotentes.
O que dizer do Big Brother, que mesmo sem ver é impossível não saber o que se passa - todos falam somente o mesmo assunto. Quanto a música então, nem mesmo nos canais de clipes da TV paga conseguimos escapar das mesmas coisas.
Se não houvesse público para tanto lixo, acho que o ambiente seria outro. Creio que o problema é outro: a falência da educação.