sábado, 7 de março de 2009

A Saga das Rádios Comunitárias no Brasil (Parte II - Final)

Lentidão para autorizar e influência política e religiosa são aspectos marcantes. Projeto de lei quer descriminalizar rádios não autorizadas, mas impõe inúmeras sanções ao funcionamento

Morosidade nos processos de autorização geram criminalização
Pouco mais de 3.600 emissoras foram legalizadas no Brasil em dez anos de regulamentação do serviço. Por outro lado, mais de 13 mil entidades aguardam autorização ou operam uma rádio sem tê-la, o que as torna ilegais e sujeitas à apreensão de equipamentos e à prisão dos responsáveis.

De acordo com entidades que militam em favor das rádios comunitárias e por mudanças na legislação do setor, o número de emissoras fechadas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Polícia Federal é assustador, o que revela o grau de perseguição e criminalização que pesa contra milhares de emissoras em todo o país.

Se em 10 anos de legislação pouco menos de 4 mil rádios comunitárias foram autorizadas a funcionar, por outro lado mais de 6 mil emissoras tiveram suas vozes caladas em apenas 5 anos. Tudo isso graças à implacável perseguição do poder concedente (Governo Federal) e ao trabalho constante de criminalização da grande mídia privada, que insiste em demonizar as emissoras comunitárias fazendo uso generalizado do termo “rádio pirata”.

Tal denominação refere-se às rádios que operam sem autorização, o que mesmo assim não justifica o terrorismo, já que muitas delas funcionam nessa situação em virtude da morosidade do Governo Federal em aprovar as licenças para a exploração do serviço. Inclusive, na guerra contra as emissoras comunitárias, vale até mesmo lançar mão de mentiras que, de tão repetidas, hoje tornaram-se quase “verdades” absolutas, como a que diz que “rádio pirata” (leia-se rádio comunitária) derruba avião.

Considerando o raio de alcance restrito e escasso de sinal, bem como a potência ínfima de 25 watts, ao contrário das rádios comerciais, que têm extensa cobertura de sinal e grande potência, fica difícil acreditar na possibilidade de interferências na comunicação entre torre de controle e aeronaves provocadas pela transmissão de uma rádio comunitária.

Voltando ao assunto deste tópico, a pesquisa Rádios Comunitárias: Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo (veja na seção Estudos da Mídia), de Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes, revela até onde pode chegar a lentidão dos processos de autorização de uma rádio comunitária. De janeiro de 1999 a dezembro de 2002, ou seja, num intervalo de 4 anos, período que compreende o segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, foram autorizadas pelo Poder Executivo um total de apenas 1704 rádios comunitárias em todo o Brasil.

De Janeiro de 2003 a dezembro de 2004, primeira metade do mandato inicial do atual presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, foram autorizadas 501 emissoras comunitárias no país. Na média, uma quantidade bem abaixo da observada durante os quatro últimos anos de governo FHC.

Tal situação é alvo da grande maioria dos protestos oriundos das organizações ligadas ao setor, que exigem mais agilidade do Governo Federal nos processos de autorização das emissoras, os quais muitas vezes se arrastam por quase cinco anos. Prova disso foi um levantamento realizado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, instância responsável por aprovar ou não os processos de autorização dos diferentes serviços de radiodifusão oriundos do Poder Executivo.

O trabalho produzido em 2007 constatou que a variação dos prazos na tramitação de processos de rádio comunitária no Poder Executivo (Ministério das Comunicações e Casa Civil) no ano de 2006 foi de 60 dias a 1301 dias (ou 3,6 anos), enquanto que na CCTCI e na Comissão de Constituição e Justiça (CCJC) da Câmara, e na Comissão de Educação do Senado (ambos do Poder Legislativo) o tempo médio de tramitação dos pedidos de autorização oscilou numa média de 80 dias. Isso significa que é no Poder Executivo onde o mal da morosidade na avaliação dos pedidos de rádio comunitária se acomoda.

Influência de políticos e igrejas em emissoras é significativa
Como afirmado anteriormente, foram autorizadas para todo o Brasil 2.205 outorgas de rádios comunitárias entre 1999 e 2004. Desse total, 1.106 (50,2%) apresentam vínculos políticos e/ou religiosos, de acordo com a pesquisa Rádios Comunitárias: Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo.

São vereadores, prefeitos e deputados estaduais, além de pastores e padres que incidem direta ou indiretamente no funcionamento das estações de rádio comunitária. O que vai de encontro ao exposto na lei que regula o setor, a qual proíbe vínculos de caráter político ou religioso para as entidades autorizadas a operar uma emissora e também impede o proselitismo com relação a esses dois temas.

Outro dado significativo da pesquisa que não pode passar despercebido: as entidades que têm como “padrinhos políticos” senadores ou deputados federais conseguem acelerar a aprovação de uma concessão no Ministério das Comunicações em detrimento das demais requerentes de uma rádio comunitária.

Tratamento desigual
Enquanto milhares de comunicadores populares foram cerceados em seu direito de se comunicar em 10 anos de regulamentação da radiodifusão comunitária, outras centenas de emissoras comerciais de rádio e TV operam na total ilegalidade.

São emissoras que funcionam com o prazo de outorga vencido em mais de 10 ou 15 anos, desrespeitando as determinações da legislação em vigor, e que, ao mesmo tempo, não concedem espaço para conteúdos educativos, culturais e independentes, desrespeitando também o que diz a Constituição Federal de 1988.

Embora caminhem contra os princípios legais e constitucionais em vigor, o que acontece com essas emissoras de caráter comercial? Absolutamente nada! Sobre elas não incide qualquer tipo de fiscalização mais rigorosa, seja do Ministério das Comunicações (que deveria verificar o conteúdo e o serviço prestado), seja pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) (que tem a obrigação de fiscalizar a parte técnica das emissoras, bem como o uso correto do espectro de radiofrequência).

Muito menos sofrem sanções, a exemplo do que acontece com as rádios comunitárias sem autorização, cujos operadores podem ser condenados a prisão por um período de dois a quatro anos, pena ampliada pela metade caso haja danos a terceiros, além de multa. É o que diz a lei 9.472, de 1997, conhecida como Lei Geral de Telecomunicações (LGT).

Projeto do Governo modifica lei da radiodifusão comunitária
Está sob a análise da Câmara dos Deputados o projeto de lei 4573/09, oriundo do Governo Federal, que traz alterações no artigo 21 da lei 9.612/98 e ainda retira da incidência do Código Penal o crime de operar radiodifusão de forma irregular.

Como já mencionado acima, a sanção de dois a quatro anos de reclusão contida na legislação de telecomunicações (lei 9.472/97) também vale para a radiodifusão (rádio e TV). No entanto, com o projeto que tramita no Congresso, tal dispositivo não se aplicaria mais à radiodifusão. A justificativa é de que os serviços de telecomunicações e de radiodifusão foram separados com a Emenda Nº 8, de 1995.

Por outro lado, ao modificar a lei 9.612/98 (que regulamenta o funcionamento das rádios comunitárias), o PL 4573/09 impõe várias sanções de caráter administrativo às emissoras comunitárias autorizadas. Segundo o projeto, passam a ser infrações sujeitas à advertência e multa veicular publicidade ou propaganda, infringir qualquer dispositivo da lei de radiodifusão comunitária e, caso persistam tais irregularidades, cabe a suspensão do funcionamento da rádio por um período de 30 dias.

Pelo projeto de lei, a entidade autorizada a operar uma rádio comunitária que usar equipamentos que desrespeitem as especificações do Poder Concedente comete infração grave, que pode levar à multa e, em caso de a irregularidade se repetir, sofrerá multa e lacração dos equipamentos até que os problemas sejam resolvidos.

Classificadas como infrações gravíssimas estão a transferência para terceiros os direitos e os procedimentos da rádio comunitária, a prática de proselitismo de qualquer natureza e deixar a transmissão fora do ar por 30 dias sem justificativa.

Operar uma estação comunitária de rádio sem autorização do Ministério das Comunicações deixa de ser crime, mas pelo projeto de lei tal prática passa a ser infração gravíssima, sujeita à apreensão dos equipamentos, multa e suspensão do processo de autorização de outorga. A entidade nessa situação pode ainda ficar impedida de se habilitar novamente até que a multa imposta seja sanada.

Para o Governo, operar uma rádio comunitária sem autorização pode não ser mais considerado crime, mas ao se avaliar o conteúdo do projeto de lei 4573/09, parece ser uma atividade, no mínimo, muito perigosa para a sociedade, a contar as infrações e suas respectivas sanções aplicadas.

Pelo direito da população em se comunicar
A rádio comunitária é um dos instrumentos que melhor refletem a democratização da mídia no Brasil e legitimam o direito à comunicação em nossa sociedade.

Por isso, torna-se indispensável facilitar e ampliar o funcionamento dessas emissoras e destacar o papel delas na democratização da informação (tanto em relação ao acesso quanto à produção de conteúdos). E não é criando sanções e outros obstáculos que isso vai acontecer.

O Estado brasileiro, agente concedente e regulador desse serviço, deve pautar suas ações nesse sentido, agilizando a análise dos pedidos de outorga, ao invés de impor limites e mais limites às entidades que operam ou desejam explorar uma rádio comunitária.

Saiba mais:

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Rádios Comunitárias: Coronelismo Eletrônico de Novo Tipo
- Ministério das Comunicações

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