Tudo começou pela Medida Provisória 398, editada pelo Governo Federal em 2007, que determinou a fusão das estatais Radiobrás e TVE Brasil do Rio de Janeiro para a implantação de uma nova rede pública de comunicação. Em meio a críticas quanto à sua validade constitucional feitas pela oposição (DEM em PSDB), a MP que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a TV Brasil tomou o rumo da Câmara dos Deputados, onde sofreu algumas modificações em seu texto.
Após ser objeto de discussão e, em seguida, aprovada com alterações, a MP 398/07 seguiu para o Senado Federal. Lá, quando muitos previam uma votação complicada por conta de uma forte oposição ao governo, a Medida Provisória que institui a rede pública de comunicação se transformou na lei 11.652/08 e foi ratificada sem quaisquer alterações pelos senadores. O governo, então, sancionou a lei que cria oficialmente a TV Brasil e estabelece suas diretrizes e princípios de funcionamento.
A Empresa Brasil de Comunicação (EBC) é subordinada à Secretaria de Comunicação Social do Governo Federal, liderada pelo ministro Franklin Martins. A EBC agrega cinco emissoras de rádio, uma agência de notícias na internet (Agência Brasil), três emissoras de televisão (TV NBr, TV Brasil e TV Nacional), e dois programas de rádio (Café com o Presidente e A Voz do Brasil). A empresa tem sede em Brasília, mas o centro de produção localiza-se no Rio de Janeiro.
Fontes de recursos
Com a clara e correta preocupação de manter a independência editorial e de programação frente ao governo federal, a Empresa Brasil de Comunicação terá fontes diversas de recursos, entre elas as oriundas do orçamento da União, doações de pessoas físicas ou jurídicas, da prestação de serviços de comunicação, de patrocínio ou apoio cultural de entidades públicas ou privadas, do licenciamento de marcas e produtos da empresa, do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) referente a 10% do valor pago pelas empresas de comunicação (teles e radiodifusoras), da Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública (com 75% dos recursos vinculados à EBC), da publicidade institucional de entidades públicas ou privadas, da publicidade legal de órgãos da administração federal, entre outras fontes de financiamento.
A intenção do governo é erguer uma rede pública nacional de televisão a partir de convênios com Estados, Municípios e entidades públicas ou privadas que prestam serviços de radiodifusão (rádio e TV). É válido destacar a importância de não se repetir o formato desigual e ilegal do sistema de televisão que impera no Brasil.
No atual sistema, as grandes emissoras de TV, por meio de suas cabeças-de-rede (geradoras de programação nacional) mantêm subordinadas às suas programações centenas de afiliadas. São emissoras que dão pouco espaço a produções de suas próprias regiões e reproduzem quase todo o conteúdo elaborado pelas grandes redes de Rio e São Paulo.
Para a programação regional e independente que serão inseridas na TV Pública foi reservado um tempo mínimo de 10% e 5%, respectivamente. Tais programas deverão ser exibidos no período entre as 6 e as 24 horas. A lei 11.652/08 garante que todas as regiões do país terão espaço para mostrar ao Brasil sua diversidade cultural. Com relação às produções independentes, a exigência é que as produtoras não tenham qualquer vínculo com emissoras de radiodifusão.
Tudo isso representa um salto importante, se considerarmos o espaço ínfimo que é destinado ao conteúdo regional nas grandes redes de TV comerciais. Sem contar a produção independente, com espaço quase nulo nas grades de programação das emissoras privadas, que veiculam apenas produções próprias, quando não raro exibem uma série de enlatados importados.
Restrição à publicidade comercial
A publicidade de produtos e serviços na programação da TV Brasil está proibida. A exceção ficou por conta da publicidade institucional e do chamado apoio cultural. A publicidade de cunho institucional, antes resumida à vinculação em programas de utilidade pública de empresas, foi liberada para entidades de direito público ou privado e devem ocupar o tempo máximo de 15% da programação.
Quanto ao conceito de apoio cultural, motivo de muitas queixas por parte da oposição e dos empresários de radiodifusão (rádio e TV) após a publicação da MP 398 em 2007, estes com medo de perder publicidade, ficou definido como sendo o pagamento dos custos de determinados programas ou de toda a programação, e sua inserção se dará por meio da citação das entidades apoiadoras, bem como de suas ações de caráter institucional.
Veto do Presidente
Cedendo à pressão dos barões da mídia, especialmente da Rede Globo – representada pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) – o presidente Lula vetou um artigo que incomodava diretamente os interesses econômicos das grandes redes TV. A lei que cria a TV Brasil, antes do veto, determinava que os direitos das transmissões de eventos esportivos internacionais, adquiridos pelas TVs comerciais, nos quais o Brasil teria competidores - como Olimpíadas, Copa do Mundo, Pan-Americano, entre outros – seriam cedidos para a TV pública. Essa possibilidade se daria mediante a não transmissão de alguns jogos pelas emissoras detentoras dos direitos de exibição.
Ou seja, as tevês comerciais não ficariam impedidas de transmitir as competições cujos direitos elas compraram, mas sim teriam apenas que liberar à TV Brasil o direito de oferecer ao público a oportunidade de assistir aos eventos não levados ao ar pelas grandes redes de televisão. O que é comum acontecer quando alguma competição não se encaixa na grade programação de emissoras como a Globo, por exemplo.
Para deixar mais claro, nem todas as modalidades esportivas durante os jogos olímpicos encontram espaço nas transmissões das tevês privadas, as quais privilegiam apenas esportes populares (futebol, vôlei, basquete etc.). Logo, mesmo sendo parte do pacote comprado por essas emissoras, modalidades pouco conhecidas do grande público não são transmitidas. É nesse ponto que entra o artigo vetado da lei 11.652/08.
Em síntese, seria uma boa oportunidade de se quebrar o monopólio de transmissão de grandes eventos atualmente nas mãos da Rede Globo. E quem mais saiu perdendo fomos nós, telespectadores, reféns do autoritarismo dos “donos da mídia” e da subserviência do poder público.
A missão da nova TV Pública
Os princípios e objetivos a serem buscados pela nova rede pública de comunicação não representam novidade alguma, uma vez que já constam da Constituição Federal obrigações semelhantes a serem obedecidas (mas não são!) por todo e qualquer meio de comunicação (privado ou público) no Brasil. Entretanto, vale citá-los neste artigo.
A nova TV Pública deve garantir: a pluralidade de conteúdo e de fontes de produção; o acesso do cidadão à informação plural para sua formação crítica; a promoção da cultura regional em toda a sua diversidade e o incentivo à produção independente; programação voltada para a educação, a cultura, e a informação de interesse público; a participação da sociedade civil, em seus diversos segmentos, na gestão e na programação; autonomia frente ao governo para definir produção, programação e distribuição do conteúdo na rede pública; o fortalecimento da democracia e a formação do cidadão, entre outros princípios e objetivos.
Resumindo, num contexto em que as emissoras comerciais ocupam todos os espaços da sociedade, produzindo e transmitindo quase tudo o que os brasileiros vêem, o nascimento da TV Brasil pode provocar futuramente um abalo nessa hegemonia e conquistar uma audiência cativa, mas sem renunciar aos seus princípios de oferecer uma programação diferenciada e de qualidade.
O Conselho Curador e a sociedade
Como em toda hierarquia de uma empresa, pública ou privada, a EBC tem seu presidente e seus diretores. No entanto, o ponto relevante neste caso é o funcionamento de um Conselho Curador, espaço este que tem a nobre e difícil missão de representar os interesses de toda a sociedade na nova rede pública de comunicação, além de fiscalizar e zelar pelo cumprimento dos princípios da TV pública.
O Conselho é composto de 22 membros, sendo 15 deles (clique aqui para conhecê-los) na função de porta-vozes da população e o restante formado por ministros de Estado, um em nome dos funcionários da EBC, um indicado pela Câmara dos Deputados e outro escolhido pelo Senado Federal. Os representantes da sociedade e os indicados pelo Congresso Nacional terão um mandado de quatro anos, renovável uma única vez. Já o que representa os funcionários terá um mandado de apenas dois anos, sem direito à renovação.
A questão polêmica e geradora de muitas dúvidas reside na forma como são escolhidos os representantes da sociedade civil para compor o Conselho Curador da EBC. É tarefa do presidente da República escolher e nomear os membros do Conselho, inclusive os que vão representar o povo, segundo critérios de diversidade cultural e pluralidade de profissões, além de que pelo menos cada uma das cinco regiões brasileiras deve ser representada por um dos conselheiros.
A lei 11.652/08, que cria a EBC e a TV Brasil, estabelece total autonomia da produção, programação e distribuição do conteúdo produzido pela empresa em relação ao Governo Federal. Ou seja, não se pode deixar de cogitar o risco de que esta independência, enfatizada pela lei, possa ser prejudicada em razão do poder que o presidente tem em mãos para escolher os membros que “são a sociedade” na rede pública de televisão. Sobre a questão, a lei que cria a TV pública determina que o Conselho Curador organize uma consulta pública nos processos futuros de renovações em sua composição.
A maior crítica, talvez, que tenha sido direcionada ao Conselho Curador refere-se à falta de mecanismos que permitam a participação direta e constante da sociedade na gestão e no controle da programação da TV pública. Sabe-se, por enquanto, que haverá duas audiências públicas a cada semestre, porém com participação restrita a entidades organizadas ligadas ao campo da comunicação e da cultura. Por enquanto, um dos únicos espaços ao alcance do público está na página da TV Brasil na internet (clique aqui para acessar). Lá, qualquer pessoa pode dar sugestões e fazer críticas sobre a programação da TV pública.
Além do Conselho Curador, um outro espaço de acompanhamento e análise da programação da nova TV pública foi criado. A EBC vai contar com uma Ouvidoria, cuja atribuição é fazer críticas internas à programação da TV Brasil e analisar as opiniões recebidas dos telespectadores. O ouvidor vai comandar um programa, com duração de 15 minutos, onde vai tornar públicas suas avaliações a respeito do conteúdo exibido pela rede pública de televisão.
.
O fato é que a TV Brasil necessita o mais breve possível tornar realidade formas democráticas e eficazes de participação de toda a sociedade na nova emissora. Isso significa ir além dos limites e atribuições do Conselho Curador, da Ouvidoria e das audiências públicas, ainda que tais mecanismos sejam indispensáveis. Só assim o Brasil terá, de fato, uma rede de televisão verdadeiramente PÚBLICA e de todos os brasileiros. Por fim, que a nova TV pública não seja apenas fruto de um momento político, mas que faça parte de uma política pública de comunicação de Estado democrática, perene e de longo prazo. Vida longa à TV Brasil. Assistam e participem!
Até a próxima!
2 comentários:
Vilson,
parabéns pelo Blog e seu conteúdo hiper-atual, informativo e formativo!Pena que o tempo tá um pouco curto, senão pesquisaria todo o conteúdo que vc colocou disponível. Nota 10 pelo trabalho!
Claudio Vereza
VILSON,
parabenizo tambem o seu trabalho. Concordo com o Carlos Vereza sobre o tempo curto. Entretanto, pretendo ler todo o conteúdo, pois sempre tive interesse nos temas abordados no blog.
até breve,
Postar um comentário