domingo, 31 de janeiro de 2010

Ou o controle social ou a barbárie da manipulação privada

Na semana passada, os "heróis" do Big Brother Brasil 10 protagonizaram cenas lamentáveis, de baixaria gratuita, em pleno horário nobre na maior emissora de televisão do país, a Rede Globo.


Duas participantes - cujos nomes eu desconheço – discutiram entre si por um longo tempo. Palavrões, xingamentos, enfim, tudo o que se possa imaginar em matéria de injúrias, calúnias e difamações foram ao ar naquele momento.


Mas nada por acaso! Aquelas cenas do reality show (e nem é tão reality assim quanto parece) não invadiram a casa do telespectador à toa. Elas foram cuidadosamente selecionadas para compor o capítulo do programa daquele dia. E não deu outra. Os manipuladores do programa escolheram a cena que mais "marcou", a que mais lhes chamou a atenção ao longo de todo um dia acontecimentos na casa e a jogaram para milhões apreciarem o "barraco".


Em outras palavras, um grupo seleto e sem rosto, distante dos holofotes e totalmente desconhecido do grande público foi o responsável por decidir e dispor para milhões de telespectadores um conteúdo paupérrimo, de níveis baixíssimos e impróprio para pessoas de qualquer idade. E qual foi o papel que nos sobrou? O de apenas engolir de goela abaixo aquele entulho.


Qual a moral dessa história? Simples: a grande mídia privada, detentora das CONCESSÕES PÚBLICAS das maiores redes de rádio e televisão do país, não admite, berra, esperneia, cria falsas polêmicas e invoca todas as santidades da liberdade de expressão e de imprensa para afastar qualquer brisa que sopre em direção à possiblidade de um controle social sobre os meios de comunicação.


No entanto, o discurso pela liberdade ampla e irrestrita de escolha e de expressão entoado por essa mesma mídia (só se for para seus donos), se esvanece diante do que relatei nos parágrafos anteriores.


Se não há controle social - quero dizer da sociedade, e não estatal – há sim um outro tipo de controle, o privado, reservado a poucos privilegiados, que acreditam piamente ter a prerrogativa exclusiva de produzir e escolher o que vai ou não alcançar o imaginário de milhões de brasileiros, seja pelo rádio, pela TV ou por meios impressos de informação.


E mais: tudo isso reforçado pela força imensurável da publicidade, que investe pesado em programas do nível do reality show "global", revelando-se fator determinante na qualidade e no tipo de conteúdo produzido e veiculado pela mídia.

.

O caso do MST

.

E o que dizer então dos mais recentes bombardeios desferidos contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)? O que foi dito no caso do Big Brother também é válido para os factóides montados pela grande imprensa - com o único intuito de satanizar o MST - e que de tão panfletários (desprovidos do mínimo de objetividade jornalística) beiram à mais barata ficção.

.

Desde a pauta (roteiro distribuído ao repórter e sobre o qual ele vai se debruçar para produzir a matéria) até a edição final (fase de seleção e de escolha do melhor texto, das falas das fontes entrevistadas e da imagens mais hipnotizantes que irão ao ar), existe um propósito para a notícia. E tal propósito é determinado pelos editores com bastante antecedência, ou seja, ele precede a divulgação da reportagem.

.

Em outras palavras: o rótulo de "invasores de terras" e de "destruidores de pés de laranja" imputados ao MST não é um retrato nu e cru da realidade que supostamente aparece diante das câmeras. Assim como todo tipo de narrativa jornalística, é resultado de todo um processo de escolha do foco (pauta) e de seleção (edição) dos melhores textos, falas e imagens colhidas em campo pelo repórter e que chegam ao conhecimento da população.

.

Até mesmo as caras e bocas do casal William Bonner e Fátima Bernardes antes ou ao final de cada reportagem é algo pré-determinado, como atores em cena. Como se vê, poucos ainda detêm o poder de manipular a "realidade" vivida por muitos.

.

Possibilidades de controle social

.

Na primeira Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro de 2009, a proposta de controle social foi debatida e aprovada na forma de um Conselho Nacional de Comunicação, bem como dos conselhos estaduais, distrital e municipais, que funcionem com espaços de formulação, deliberação e monitoramento de políticas de comunicações no país e que sejam abertos à participação de todos os segmentos da sociedade; e ainda de um Observatório Nacional de Mídia e Direitos Humanos, para fiscalizar e monitorar eventuais veiculações que desrespeitem os direitos do cidadão.

.

Esta última proposta andou provocando dores de cabeça nos barões da mídia comercial no início deste ano (lembram do Programa Nacional de Direitos Humanos?), os quais, como falei antes, não admitem ser impedidos de propagar baixarias, como as do Big Brother, em horários de grande audiência; e, em lugar disso, cultivar uma cultura de respeito à diversidade e à pluralidade racial, étnica, sexual e de gênero existente em nosso país. Tudo conforme a Constituição Federal.

.

Enquanto Governo (Estado brasileiro) e cidadãos (você e eu) permanecem em estado de paralisia, anestesiados por uma passividade crônica diante dos desmandos dos conglomerados de comunicação, manipuladores pagos pelas grandes redes de TV e seus patrocinadores continuarão a decidir, em nome de milhões de telespectadores, por cenas degradantes como o festival de xingamentos e palavrões exibidos no BBB semana passada e os ataques covardes contra movimentos sociais legítimos e democráticos.

.

Ou o controle social ou a barbárie da manipulação privada! Se queremos dar um passo decisivo rumo à democratização da mídia no Brasil, essa é a questão que se coloca para todos nós. Sociedade organizada e Estado devem se aproximar e trabalhar juntos, em completa sintonia, na criação de uma cultura de participação social – digo, de participação da dona Maria, do seu José, de crianças, jovens, adultos e idosos – no dia-a-dia dos meios de comunicação. E as novas mídias digitais, nunca é demais lembrar, revelam-se ferramentas indispensáveis e fundamentais para a conquista desse difícil, porém amplamente possível, objetivo.

.

Se não mudamos nós, a mídia não muda!

.

Até a próxima!

.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Direitos Humanos X Interesses privados da mídia

Governo lança Programa Nacional de Direitos Humanos e inclui obrigações aos meios de comunicação para a valorização do tema. Mídia privada e entidades afins criam falsa polêmica
.
O Governo Federal lançou no final de 2009 um novo Programa Nacional de Direitos Humanos. A gama de temas que o documento abriga é vasta, e nele também inclui a comunicação. Algumas das ações previstas, vale ressaltar, foram objeto de debate e aprovação na 1ª Conferência Nacional de Comunicação, realizada em dezembro.

Está aí um motivo mais que oportuno para a reação conservadora da grande mídia privada. Reação conservadora e, obviamente, contrária às mudanças propostas pelo PNDH.

A diretriz 22 do Plano refere-se à mídia. Ela busca garantir o “direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos”. Está dividida em dois objetivos estratégicos: o de promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção de uma cultura em Direitos Humanos; e garantir o direito à comunicação democrática e o acesso à informação.

Indo mais a fundo no programa, percebe-se os porquês de tanta celeuma dos barões da mídia monopolizada. Em poucas palavras, o plano irá exigir dos meios de comunicação o que a nossa Constituição Federal já determina há mais de 20 anos, porém nenhuma emissora de rádio ou TV cumpre: mais respeito aos Direitos Humanos.

Artigo 221 da Constituição
Uma das ações previstas é regulamentar, a partir da criação de um marco legal, o artigo 221 da Constituição, o qual estabelece que aos meios de comunicação cabe, entre outros deveres, o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, e a valorização de conteúdos educativos, culturais e informativos. Obrigações escassamente observadas pelas famílias que detém concessões públicas das principais redes de rádio e televisão do país.

Direitos Humanos como critérios para concessões
E por falar em concessões públicas de radiodifusão, uma das ações previstas no PNDH é justamente incluir o respeito aos Direitos Humanos como um dos critérios para outorga e renovação de concessão de um canal de rádio ou TV. Quem descumprir pode ter a programação suspensa, ter a concessão cassada, ou ainda ter suspensa o patrocínio ou a publicidade oficial (do poder público).

Ranking dos Direitos Humanos na mídia
Semelhante ao que é feito na campanha Quem Financia a Baixaria é Contra a Cidadania, a qual a partir de denúncias da população classifica os programas de televisão que mais desrespeitam os direitos humanos, o plano do Governo Federal pretende acompanhar a veiculação de conteúdos dos meios de comunicação a fim de criar um ranking que indique os que mais violam os direitos humanos e, ao mesmo tempo, mostre os que mais se comprometem com tais princípios.

Agora sim dá para entender o porquê dos discursos inflamados invocando aquelas palavrinhas-chave - “liberdade de expressão”, “direito à informação” etc – que só aparecem em público quando os donos da mídia veem seus históricos privilégios serem ameaçados pelo bom senso democrático.

Melhor tratamento às radcoms
As rádios comunitárias também foram lembradas no Plano Nacional de Direitos Humanos. Promover sua regularização e incentivar o funcionamento e a relação desses meios de comunicação com a comunidade é outro objetivo a ser buscado. Como se sabe – e isso já foi discutido neste blog – as rádios comunitárias sofrem perseguições acirradas da mídia comercial e daquele que deveria promover seu desenvolvimento, o Governo Federal (por meio da Polícia Federal e da Anatel).

Cultura dos Direitos Humanos
E visando criar uma forte e perene cultura dos Direitos Humanos na mídia e na sociedade, o PNDH propõe construir parcerias com entidades sindicais e associativas da mídia e de profissionais de comunicação para confecção e divulgação de materiais sobre o tema em questão; produção de filmes, documentários e áudios direcionados à educação em Direitos Humanos, retratando a história e os movimentos de luta e resistência; entre outras metas.

SEDH responde as críticas
Em resposta às constantes críticas que tem recebido, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) afirma na Agência Brasil que o país, com o programa, cumpre o que determina a Constituição Federal e todos os acordos e declarações internacionais referentes ao assunto dos quais o Brasil é signatário, e que é dever do Estado garantir políticas públicas de Direitos Humanos. Diz ainda que o PNDH foi amplamente debatido com a sociedade em inúmeras conferências estaduais ao longo de 2008 e por meio de consulta pública.

Ora, tendo em vista a influência cada vez maior dos meios de comunicação na vida das pessoas, eles têm um papel sócio-cultural demasiadamente nobre a cumprir. Nesse caso, revele-se crucial a participação da mídia nesse processo de valorização e respeito aos Direitos Humanos.

E é cada dia mais gritante o desespero das corporações da mídia, especialmente na medida em que Estado e sociedade civil organizada fortalecem suas relações e discutem de forma democrática e transparente mudanças profundas nas leis e no funcionamento das instituições. O que dizer então quando o alvo é a mídia?
.
Neste caso, os escribas (ou jornalistas pagos para serem porta-vozes de seus patrões) chegam ao ápice da ignorância, a ponto de distorcer conceitos (como o de democracia e liberdade de expressão) e enganar da forma mais descarada a população.

A "Vênus Platinada" outra vez!
Foi assim com a TV Globo, através do seu principal “tele-panfleto” (o Jornal Nacional) na edição da última sexta-feira (08/01). Ninguém melhor que eles na arte do paradoxo, isto é, ao mesmo tempo em que defendem a democracia e a diversidade de informação, praticam exatamente o contrário.

Criam um consenso, onde praticamente não há qualquer possibilidade de se ouvir atentamente o outro lado - que neste caso é o Governo - cujo único espaço no tele-panfleto global foi uma ínfima nota, que de tão pequena foi lida em poucos segundos, enviada pela Secretaria Especial de Direitos Humanos. É confiar demais na existência de milhões de “Hommers” sentados à frente da televisão, não é mesmo!?

Mas a arte de criar paradoxos com fins de deturpar a verdade não é exclusividade da emissora da família Marinho. ABERT, ANJ e ANER – entidades associativas que representam o setor mercantil de emissoras de rádio e televisão, de jornais e de revistas, respectivamente – lançaram uma nota à imprensa afirmando estarem preocupadas com uma suposta ameaça à liberdade de expressão e ao direito à informação.

Na nota (clique aqui para ler), as entidades se contradizem, pois afirmam que “os Direitos Humanos estão acima de qualquer coisa”, mas ao mesmo tempo condenam ações do poder público que visem garanti-los, como a criação de um observatório social que acompanhará o tratamento dado pela mídia aos direitos humanos. O argumento, de tão ideológico, mascara práticas que se tornaram comuns na mídia - em especial na TV - como a disseminação de preconceitos que afrontam a dignidade de pessoas e de grupos sociais.

Caros internautas, fica no ar a questão: será que entidades como ABERT, ANJ e ANER – as quais tentaram todo o tempo impor unilateralmente suas condições na organização da 1ª Confecom e, no fim, fugiram do debate – estão realmente aptas a defender qualquer coisa que exale democracia?

Sem mais delongas, confira abaixo a íntegra dos objetivos e ações do Plano Nacional de Direitos Humanos voltados para os meios de comunicação e tire suas próprias conclusões:

Diretriz 22:
Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação para a consolidação de uma cultura em Direitos Humanos.

Objetivo Estratégico I:
Promover o respeito aos Direitos Humanos nos meios de comunicação e o cumprimento de seu papel na promoção da cultura em Direitos Humanos.

Ações Programáticas:

a) Propor a criação de marco legal regulamentando o art. 221 da Constituição, estabelecendo o respeito aos Direitos Humanos nos serviços de radiodifusão (rádio e televisão) concedidos, permitidos ou autorizados, como condição para sua outorga e renovação, prevendo penalidades administrativas como advertência, multa, suspensão da programação e cassação, de acordo com a gravidade das violações praticadas.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça; Ministério da Cultura
Parceiro: Ministério da Ciência e Tecnologia

Recomendações:
• Recomenda-se inserir a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados na discussão sobre outorga e renovação de concessões públicas.

• Recomenda-se ao Ministério Público assegurar a aplicação de mecanismos de punição aos veículos de comunicação, autores e empresas concessionárias.

b) Promover o diálogo com o Ministério Público para proposição de ações objetivando a suspensão de programação e publicidade atentatórias aos Direitos Humanos.

Responsáveis: Ministério da Justiça; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República

c) Suspender patrocínio e publicidade oficial em meios que veiculam programações atentatórias aos Direitos Humanos.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça

d) Elaborar critérios de acompanhamento editorial a fim de criar um ranking nacional de veículos de comunicação comprometidos com os princípios de Direitos Humanos, assim como os que cometem violações.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República; Ministério da Cultura; Ministério da Justiça.

Recomendação: Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios fomentar a criação e acessibilidade de Observatórios Sociais destinados a acompanhar a cobertura da mídia em Direitos Humanos.

e) Desenvolver programas de formação nos meios de comunicação públicos como instrumento de informação e transparência das políticas públicas, de inclusão digital e de acessibilidade.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Cultura; Ministério da Justiça.

Recomendação: Recomenda-se aos estados, Distrito Federal e municípios o incentivo aos órgãos da mídia para inclusão dos princípios fundamentais de Direitos Humanos em seus materiais de redação e orientações editoriais.

f) Avançar na regularização das rádios comunitárias e promover incentivos para que se afirmem como instrumentos permanentes de diálogo com as comunidades locais.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Cultura; Ministério da Justiça.

Parceiro: Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República

Recomendação: Recomenda-se aos Municípios o incentivo às rádios comunitárias.

g) Promover a eliminação das barreiras que impedem o acesso de pessoas com deficiência sensorial à programação em todos os meios de comunicação e informação, em conformidade com o Decreto nº 5.296/2004, bem como acesso a novos sistemas e tecnologias, incluindo internet.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Justiça.

Objetivo Estratégico II:

Garantia do direito à comunicação democrática e ao acesso à informação.

Ações Programáticas:
a) Promover parcerias com entidades associativas de mídia, profissionais de comunicação, entidades sindicais e populares para a produção e divulgação de materiais sobre Direitos Humanos.

Responsáveis: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Cultura; Ministério das Comunicações

Parceiro: Secretaria-Geral da Presidência da República.
b) Incentivar pesquisas regulares que possam identificar formas, circunstâncias e características de violações dos Direitos Humanos na mídia.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República.

Parceiro: Ministério da Educação.

c) Incentivar a produção de filmes, vídeos, áudios e similares, voltada para a educação em Direitos Humanos e que reconstrua a história recente do autoritarismo no Brasil, bem como as iniciativas populares de organização e de resistência.

Responsáveis: Ministério das Comunicações; Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério da Cultura; Ministério da Justiça.

Parceiros: Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
.