Não é tarefa das mais fáceis atuar em prol da liberdade de expressão e preservar o direito à informação da sociedade. E ela fica ainda mais árdua quando o seu agente é um jornalista. Mesmo em plena democracia, contexto em que as liberdades de expressão e de opinião e o direito à informação são considerados pilares de sustentação desse regime, o Brasil se destaca entre os países mais perigosos à atuação daquele profissional.
Quem nos revela essa preocupante realidade é a Article 19 (Artigo 19), entidade internacional que atua em defesa da liberdade de expressão e de imprensa. Em seu relatório Graves violações à liberdade de expressão de jornalistas e defensores dos direitos humanos, referente ao ano de 2012, a Artigo 19 confirmou sete jornalistas ou profissionais de mídia assassinados, cujas mortes podem estar relacionadas ao exercício da liberdade de expressão, ou seja, à divulgação de informações e opiniões nos meios de comunicação. Um aumento de 50% se comparado ao ano de 2011.
Dos 82 casos graves detectados no Brasil no ano passado que envolveram homicídios, tentativas de assassinato, ameaças de morte, sequestros e desaparecimento, e tortura, pelo menos 52 podem estar ligados ao exercício da liberdade de expressão. Destaque para as ameaças de morte (51% dos casos) e os homicídios (30%). Os jornalistas (repórteres, radialistas, blogueiros, proprietários de mídia, comunicadores comunitários, entre outros profissionais da área de comunicação) sofreram 36 violações graves à liberdade de expressão em 2012. Interessante observar que os meios mais agredidos são os blogs (44% dos casos) e a mídia impressa (25%), seguido pelas rádios (17%) e, por último, a televisão (14% dos casos de violações).
A violência contra o exercício da liberdade de expressão dos profissionais de comunicação, segundo a Artigo 19, está mais presente nas regiões centro-oeste e sudeste do Brasil, com 14 ocorrências cada uma. Os estados mais violentos são o Mato Grosso (8 ocorrências), São Paulo (também com 8) e o Maranhão (7 ocorrências). Vale destacar que quase a metade das violações graves à liberdade de expressão foram registradas em cidades pequenas, que apresentaram 47% dos casos. Neste caso, nada muito anormal, uma vez que os poderes político e econômico locais exercem maior influência (e intimidação) sobre os meios de comunicação e seus profissionais. As cidades grandes, por sua vez, representaram 32% das ocorrências.
As denúncias contra autoridades públicas ou entidades privadas, conforme o relatório da Artigo 19, são a motivação para 74% dos casos graves de violações à liberdade de expressão no Brasil. Quanto aos mandantes dos crimes, o Estado é representado pelos policiais, políticos e agentes públicos. Já do lado das organizações civis e privadas, aparecem o crime organizado, os produtores rurais/extrativistas e os empresários. Na avaliação da entidade: É muito sintomático que 74% das motivações venha de denúncias realizadas. E é possível vislumbrar uma cadeia estrutural que gera o não engajamento da sociedade contra os crimes motivados pelo exercício da liberdade de expressão: denúncias não são levadas a sério e não são investigadas pelas autoridades públicas; então, os denunciantes são perseguidos; as autoridades não os protegem e a sociedade não dá crédito para as perseguições; e as denúncias que motivaram as perseguições sequer ganham força.
Em seu relatório, a Artigo 19 defende que o Estado, além de não violar os direitos humanos, deve cumprir com o dever de adotar medidas positivas no intuito de impedir qualquer violência que objetive calar os jornalistas e outros profissionais de comunicação. E, além disso, investigar os crimes, punir os responsáveis e implementar medidas políticas e legais para proteger jornalistas e a liberdade de expressão.
A violência contra profissionais de comunicação, em especial os que atuam de forma independente na internet e em veículos comunitários, merece maior atenção dos poderes Legislativo e Judiciário. É, no mínimo, absurdo que, em plena democracia, a sociedade brasileira ainda tenha de conviver com ameaças de toda ordem à plena liberdade de expressão e de opinião, já tão frágil em virtude da forte concentração da propriedade dos meios de comunicação e da ação permanente do Estado contra as rádios comunitárias. É indispensável garantir a existência desse direito humano fundamental através de um ambiente regulatório moderno, democrático e participativo (inexistente no Brasil), além de medidas punitivas contra aqueles que violarem tais direitos, sejam eles agentes do Estado ou do setor privado.